Após ter sido chamado de elitista por alguns leitores em repercussão de um artigo denominado “O fim da música” publicado em sua coluna semanal na Folha de São Paulo, o filósofo e professor de Filosofia da USP Vladimir Safatle discorreu sobre o assunto abordado no programa Metrópolis da TV Cultura, exibido em 01/11/2015.
Segundo o artigo, a música brasileira, que a princípio acompanhou o desenvolvimento econômico do país e foi importante, inclusive, em sua constituição e na consumação de algo que se pudesse chamar de “identidade nacional”, passou, contudo, desde os fins dos anos 90 até (e especialmente) o momento atual, a seguir os rumos ditados pela indústria cultural e pelo sentimento de fim de nossos “horizontes”, tanto criativos como políticos e afetivos.
Além disso, trata-se de saber separar o aspecto sociológico e estético deste tipo de análise. A crítica apresentada ao que se chama de música brasileira atual também não é a crítica a uma arte genuinamente popular (o que, supostamente, configuraria o elitismo), mas justamente ao pressuposto de que ela o é. Ela teria passado a configurar não apenas a ausência da complexidade técnica e da consciência crítica, presentes ainda, por exemplo, na música produzida entre os anos 70 e 80, mas seu completo esgotamento.
“Para esses que escondem sua covardia crítica por meio de tal exercício, lembraria da necessidade de desconstruir a farsa de um “popular” que não traz problema algum para o dominante.”
A diversidade musical (que ainda existe, é claro), diz o professor, é deslocada dos focos da indústria cultural, o que acaba por edificar estilos musicais como o funk e o sertanejo universitário como a verdadeira expressão de nossa brasilidade atual. Soma-se a isso o fato de que a população da periferia, principal consumidora destes estilos musicais, está na maior parte das vezes privada do contato com essa diversidade, disso resulta o verdadeiro bloqueio e esgotamento que eles representam frente às possibilidades da música.
Assista ao vídeo completo abaixo:
Acredito que a palavra segue sendo meu ponto fraco.
Me parece que o fato da cultura musical sair do eixo crítico político/social é um fenômeno global. A industria musical acompanha o andar da sociedade. Em tempos líquidos não é fácil forçar um esforço intelectual, quando o consumo é rápido e imediatista. Arte é reflexo. Acredito que o problema seja mais profundo.
Marco, me parece que a crítica dele vai além. Não só o distanciamento da musica da crítica social, mas a real falta de qualidade estética em qualquer aspecto. Por exemplo, João Gilberto. Há qualidade estética em seu trabalho sem, necessariamente, haver crítica política/social.
Daí aquela crítica comum ao funk: “funk é só putaria”. Essa crítica não é valida e esconde um moralismo e um preconceito burro. Na questão da qualidade estética no funk, o tema, a meu ver, é o menor dos problemas.
Consigo ver hibridação e diferença em todos os vídeos que aparecem acima. Alguém que faça um julgamento superficial deles, não notará o que tem por baixo falando em elementos musicais diferentes, arranjos, mixagem, masterização e outras coisas que vão além da letra. O próprio balanço e o swing do ritmo eu consigo ver certa riqueza, ainda que a pulsação remeta aos sentimentos mais primitivos humanos como alguns dizem. Acho que é o mesmo que dizer que “funk é só putaria”. Sobre “julgamento estético”, acredito que sempre vai estar inserido em algum contexto de época. Beethoven poderia achar as melodias e harmonias de Joao Gilberto óbvias. Sobre a desconstrução temporal, acho o mesmo, se formos comparar à música raiz africana. Obrigado pelo debate Gustavo. 🙂
Safatle, para que tá ficando feio, mano!
Aceita que você foi elitista, simplista e nem se deu ao trabalho de estudar os generos em questão antes de emitir essas opiniões dignas de tiozão de churrasco.
Boa análise do Safatle, esse últimos anos tem afirmado sua perspectiva. As músicas “populares” simplesmente não condizem com a situação material das classes populares. Acho que isso é só uma parte, vejo um processo parecido com o cinema e o futebol por exemplo. Nos últimos anos, as grandes produções do cinema nacional têm guinado para um puro besteirol hollywoodiano, só que “abrasileirado”. Até o início dos anos 2000, as grandes produções ainda atentavam para uma visão nacional plural do país, apontando os valores e os problemas, vide o Auto da Compadecida, Central do Brasil e Cidade de Deus. Agora é raro um filme mais profundo, pelo menos como grande produção e mais difícil ainda esse filme ser popularizado, já que perde espaço para as produções “besteirol-ostentação”.
No futebol, a situação é mais preocupante. Cada vez mais buscam limitar a participação popular, acabando com as festas das torcidas, a partir da proibição de materiais festivos como bandeiras, sinalizadores, bobinas, etc. Os programas esportivos buscam cada vez mais modelizar o futebol, com as arenas, as administrações européias e com a imposição do comportamento “gourmet” ao torcedor, aquele que não vai ao estádio cantar, gritar, incentivar, xingar; mas sim aquele que vai ficar sentado o jogo todo, tomando seu cappuccino “apreciando o espetáculo”. Sem falar do preço dos ingressos e de mantimentos dentro do estádio, que limitam fortemente a entrada popular.
Assim vejo esses fatores como componentes de um processo estrutural de nosso tempo, principalmente após os anos 90: a globalização. O Brasil está sendo inserido de fato em um mundo em que tudo é líquido e tudo segue as tendências. A música, o cinema e o futebol não têm mais que fazer pensar, emocionar ou aprofundar a realidade, eles têm de gerar lucro, ao mesmo tempo em que mantêm o modelo social de acordo com as necessidades dessa etapa histórica do capitalismo. Uma coisa que acho engraçada é que a retórica contra o comunismo ou qualquer perspectiva a esquerda sempre apontou que a sociedade comunista seria limitadora dos indivíduo e que eliminaria a pluralidade de pensamento, uniformizando o material e o ideal. O problema é que nessa etapa de hegemonia total do liberalismo e da economia de mercado, cada vez mais as relações, os pensamentos e os ímpetos são uniformizados segundo as tendências e as modas. A música, o cinema e o futebol me parecem apresentar isso, cada vez mais uniformizados, eliminando as pluralidades e idealizando a realidade. Desculpas pelo textão kkkk.
Então vamos lá.. Para mim a música é uma forma harmônica de contar histórias que aconteceram, estão acontecendo ou que acontecerão e histórias sempre existirão. Creio que nos cabe como pensadores prestarmos maia a atenção nessas tais histórias e tirarmos disso algum aprendizado. O porquê de tais conteúdos musicais serem apreciados por uma comunidade e o que isto representa para ela, mesmo este conteúdo não sendo adequado para os nossos ouvidos ou relevante para a nossa formação cultural ou artística. Aliás este fato sempre aconteceu desde que a música tomou forma acadêmica através do monge beneditino Guido de Arezzo no século XII.
Sempre existirá uma forma musical que não nos agrade ou que deixe de agradar uma parcela da humanidade. Dizer coisas, contar histórias nos faz criativos e criar é um processo cultural, lembrando que CULTURA não é somente aquilo que gostamos, ela é independente em sua finalidade. Boa ou ruim em sua relatividade, ela ainda assim é cultura. Caberá sempre à nossa individualidade absorvê-la ou não, mas não podemos negar a sua existência.
A cultura é um processo de formação que vem da população. Se hoje em dia dizemos que perdemos nossa identidade cultural é porque perdemos a noção da grandeza do nosso espaço. Antigamente éramos limitados a pequenos grupos que representavam culturalmente comunidades um pouco maiores. Hoje em dia, graças às migrações e ao aumento populacional este processo cultural ao invés de ser ampliado vem nos forçando a uma inversão no limite de nossa identidade cultural. Hoje esta identidade vem se limitando a pequenos espaços e a pequenos grupos de afinidade. Se é bom ou se é ruim, só o tempo irá nos mostrar.
Não podemos confundir a nossa cultura com a indústria da arte e do entretenimento, pois o foco desta é sobre nosso produto cultural e não sobre a nossa cultura. Aliás costumo dizer que a nossa cultura não se vende ( literalmente ) pois ela é intrínseca ao ser humano e não é vendável, pois é um processo. O que é vendável é a resultante desse nosso processo de saberes adquiridos durante a nossa vida, ou seja: Os produtos culturais. Por isso a mídia possivelmente nunca irá conseguir destruir ou distribuir a nossa cultura, pois ela é IMATERIAL, INVENDÁVEL E INDESTRUTÍVEL.
Racismo intelectual vestido de eruditismo e sociologia. Para entender como uma crítica pretensamente informada não passa de ideologia, ler sociologia e antropologia da arte e em geral e da música especificamente (Bourdieu, Heinich, para começar).
No meu humilde entendimento, o problema sim está na “massificação concentrada em dois estilos mais consumidos” em detrimento de todo o amplo arsenal musical que o Brasil possui. Está na hora de aprendermos a desligar os aparelhos e agir diretamente com as pessoas, levando até elas as músicas, o ensino dos instrumentos e a produção musical inovadora.
trovadores, uni-vos!
Como dizia o velho Chacrinha: Quem não comunica se estrumbica(?) Ou então que digo: Uma coisa é uma coisa ;outra coisa é outra coisa… Entendeu ?
Correto. Esse papo de “Elitismo” reflete a falta de compreensão do que Safatle quer dizer, é uma crítica baseada na superficialidade e filistinismo, que irônicamente ou não são características do pensamento pós-moderno, o mesmo que permite a degradação musical.
No dia em que vocês tiverem um décimo da capacidade de análise, da elaboração de idéias e da articulação do Vladimir Safatle, podem pensar em criticá-lo. Por enquanto, seria uma atitude linda tentar não reagir por reflexo e tentar somente… entendê-lo.
Qual empresário da música investiria 45 mil reais num clipe com carrões, modelos, correntões de ouro, mansão e tudo mais, para um funkeiro de 9 anos, semi-analfabeto, que não sabe 1 acorde, com letras paupérrimas e baixas, para este expor sua “arte” no youtube? Qual empresário correria esse risco de jogar dinheiro fora? Resposta: o tráfico de drogas. Como a arte não possui valor monetário, ela é a melhor forma de se lavar dinheiro. É isso que explica moleques sem talento nenhum gravando clipes caríssimos. Aliás, vamos deixar de ser inocentes, esses MCs andando com correntões de ouro de 50 mil reais no pescoço e ninguém os rouba?! É claro, o crime organizado está por trás deles. E os artistas de sertanejo universitário tem a lavagem de dinheiro das empreiteiras por trás de si. É por isso que, como diz o Safatle, para todo lugar que se olhe são sempre os mesmos artistas e gêneros musicais. Quem domina a cultura no Brasil é o crime, lavando dinheiro.
que cosa fuera
que cosa fuera la maza sin cantera
un amasijo hecho de cuerdas y tendones
un revoltijo de carne con madera
un instrumento sin mejores resplandores
que lucecitas montadas para escena
que cosa fuera -corazon- que cosa fuera
que cosa fuera la maza sin cantera
un testaferro del traidor de los aplausos
un servidor de pasado en copa nueva
un eternizador de dioses del ocaso
jubilo hervido con trapo y lentejuela
que cosa fuera -corazon- que cosa fuera
que cosa fuera la maza sin cantera
Marcos Lima, estou aqui, quase 7 anos depois, para agradecer sua reflexão. Foi precisa, gentil, quase doce. Vi Raymond Williams nas entrelinhas. Obrigada.