A dificuldade do engajamento político na pós-modernidade é notória. As Jornadas de Junho podem aparecer como um retorno dos movimentos sociais engajados às ruas, entretanto, algumas de suas características denunciam o contrário. Uma delas é a pluralidade de pautas vista nos cartazes, muitas vezes sem nenhuma relevância coletiva.
Para Ronaldo Queiroz, doutor em história social pela USP, toda essa pluralidade decorre de uma ambivalência em que os sujeitos pós-modernos são colocados: a manifestação política (primariamente um ato coletivo) dominada pela lógica do mercado e das satisfações individuais (ato individual). Sua reflexão é influenciada por Zygmunt Bauman.
A lógica do mercado
Segundo Ronaldo, “trata-se de jovens constituídos em ‘modernidade líquida’, onde os laços são sempre frágeis e a insegurança é a regra geral. Nessa paisagem o mercado é total, totalizante e totalitário com espaços diminutos para a cidadania, pois há a espetacularização da vida e a concentração do social nas telas publicitárias”. Os sujeitos da pós-modernidade, ou da modernidade líquida, estão imersos no espetáculo, ou seja, na dominação onipresente da ideologia capitalista.
Quando os moldes do mercado tomam conta da vida em sociedade, não há mais espaço para uma ação genuinamente coletiva, de cooperação e busca de fins à longo prazo (a única ação coletiva, de coordenação e cooperação, se torna o ato do consumo, mas que não move relação duradouras). “Dessa forma, a ambivalência do engajamento está, por um lado, na crescente necessidade moderna de manifestação política e, por outro, na realização da ação como ato frágil e solitário”, conclui Ronaldo.
A lógica da maratona
Ronaldo defende que a lógica das manifestações de junho é a mesma da maratona, “estar ali correndo sozinho na massa é o suficiente”. Os manifestantes lutam lutas individuais, por isso das pautas tão divergentes e muitas vezes irrelevantes de uma perspectiva coletiva. Os maratonistas querem ganhar, só isso – cada um quer ser o primeiro a vencer a prova.
A política misturada com uma lógica de consumo que não produz mudanças significativas é chamada de “transpolítica”, fruto do hiperindividualismo presente nos tempos ditos pós-modernos, explica Ronaldo Queiroz, que termina, “a ambivalência presente no engajamento desses jovens corresponde à perversidade de nossa paisagem. Em tempo esgotado de cidadania, em que o mercado é tudo (até mesmo política), sobra muito pouco espaço para a transformação”.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.
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