O que é análise do discurso? Qual é a sua importância?

A análise do discurso nos ajuda a entender o dito num nível propriamente discursivo, não semântico, nem sintático. Daí os esforços dos pensadores nos anos 60 e 70 para identificar um método ou procedimento próprio de análise das coisas ditas.

Índice

Introdução

Análise do Discurso: Michel Foucault, expoente da análise do discurso francesa.
Michel Foucault, um dos expoente da análise do discurso.

A análise do discurso é uma maneira de analisar textos, falas, conversas, peças de teatro, obras de arte que se popularizou na França dos anos 70, com a emergência de pensadores famosos como Michel Foucault e Michel Pechêux. Sua característica notável foi a passagem da linguística da “frase” para a linguística do “texto”.

Essa mudança no objeto de análise provocou transformações na ideia classicamente aceita de que a ‘fala’ é individual, assistemática e, portanto, não passível de análise científica”[1] vai dizer Maria Gregolin.

O que é análise do discurso?

Análise do discurso é uma disciplina filiada à linguística, filosofia, história e teoria social que tem como objetivo estudar as regularidades dos textos. Aqui, texto deve ser entendido de maneira ampla: texto como um conjunto de signos linguísticos que está presente em textos escritos, mas também em falas públicas, em entrevistas, em obras de arte, na narrativa de um filme ou na linguagem não verbal numa situação determinada.

Trata-se de uma perspectiva nova de análise, pois até os anos 60, era comum um tipo de análise focada no conteúdo do texto, buscando entender seu significado, que às vezes percebia o texto e seu significado como identidade ao pensamento de quem o escreveu. Com a análise do discurso, entender a organização interna do texto deixou de ser o único foco, pois este tipo novo também tinha como objetivo entender seu funcionamento.

Sendo assim, olhar o texto passou a ser uma tarefa também histórica, pois seu funcionamento é ligado às condições históricas e situacionais em que o texto é manifestado, às condições sociais e ideológicas de sua criação, à posição ocupada pelo locutor, além de ser relacionado com a história, com o conjunto de discurso que existem e já existiram e que firmam relações concretas com os discursos do presente. Segundo a pesquisadora Eni Orlandi, com influência da linha pecheuxtiana de análise do discurso:

O que a gente vai observar com essa forma de análise são os processos de significação: como os sentidos são produzidos considerando que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia. O discurso que é objeto da análise de discurso é definido como efeito de sentidos entre locutores.[2]

O resultado é um tipo de análise que visa compreender as ligações da linguagem com a ideologia, do texto com a totalidade material que permite sua existência. É, também, entender a emergência de certos discursos e quais outros morreram no embate pela legitimidade na realidade concreta.

Qual a importância da análise do discurso?

Primeiramente, é necessário compreender que a vida humana é constituída pela linguagem. Linguagem é o elemento fundamental à existência da sociedade, das relações sociais, das relações de poder, das trocas verbais, etc. Tendo essa consciência, a importância da análise do discurso se situa no fato de que ela nos torna capazes de compreender como a linguagem funciona na vida real, em sua prática.

Ela permite compreender a relação entre linguagem e poder, entre a fala e a relação de poder que ela fundamenta e engendra. É por meio da análise do discurso que se pode desnaturalizar certos discursos. Por exemplo: a análise do discurso contribui para se compreender como o discurso machista funciona em nossa sociedade, para desnaturalizá-lo, entendê-lo como elemento artificial de dominação e contribui para a criação de estratégias de combate institucionais ou não institucionais.

A análise do discurso é importante para que possamos compreender a formação das ciências e retirá-las de um campo de objetividade imperiosa. Permite que possamos entender que diferentes sociedades terão diferentes formas de se entender a realidade e que essas formas podem ser eficientes para o que se propõem. No cotidiano, ela permite relacionar as práticas sociais com as significações que são movidas para que se concretizem na realidade. Ela também permite que façamos uma crítica e uma construção de políticas públicas, ao se perceber que tipo de relações elas firmam através dos sentidos que movem pelo seu discurso. Segundo Eni Orlandi:

Na educação, o ensino de leitura e de escrita é algo fundamental, pois deixamos de ser interpretados para sermos autores de nossas interpretações e também autores de formulações que fazemos pois ao dar visibilidade à constituição dos sujeitos e dos sentidos, podemos deixar de repetir, podemos deixar de reproduzir e justamente romper com processos de produção dominantes e estabelecer novas formulação, novas possibilidades de processos de significação e etc.[3]

A análise do discurso permite entender como as mídias sociais, as tecnologias digitais em geral podem organizar e reorganizar as relações sociais através de seu funcionamento. Além de permitir compreender novas formas de escrita, de manifestação textual, como o grafite, a pichação, a tatuagem, etc. Elementos que são cristalizados por uma análise formal e moral, mas que podem ser entendidos em sua própria prática dentro de uma sociedade atravessada pro relações de conflito, de ruptura e de luta.

Ainda no ensino de língua portuguesa, a análise do discurso oferece instrumento de reflexão sobre a geração de sentido no texto, assiná-la Maria do Rosário Gregolin:

Por meio da Análise do Discurso, o professor pode conduzir os alunos na descoberta das pistas que podem levá-los à interpretação dos sentidos, a descobrirem as marcas estruturais e ideológicas dos textos. A compreensão do discurso pode enriquecer as atividades desenvolvidas na sala de aula na medida em que permite trabalhar com várias modalidades textuais como a jornalística, a política, as histórias em quadrinhos etc. A riqueza desses textos certamente ajudará no trabalho de resgatar o discurso dos alunos, levando-os a construir seus próprios textos com crítica e inventividade.[4]

Assim, a análise do discurso pode ser uma ferramenta educativa, mas também uma ferramenta de análise para gerar diagnósticos, armas para favorecer a transformação social.

Conceitos principais

Seguindo a chave de leitura da Análise do Discurso francesa, representada por Pechêux como ícone, Gregolin entende o texto como uma estrutura que articula diferentes elementos e os mantém num sentido coeso e coerente. Este texto carrega três níveis possíveis de análise: o fundamental, local em que se observa a redução máxima do sentido do texto; o narrativo, que é analisado com ajuda de Greimas, em que os valores fundamentais do texto são narrados com referência a um sujeito; e o discursivo, que envolve diretamente a AD e que mostra as escolha específica de cada sujeito na hora de narrar uma história e dar um sentido particular a ela.

Segundo Gregolin, “o discurso é um suporte abstrato que sustenta os vários textos (concretos) que circulam em uma sociedade. Ele é responsável pela concretização, em termos de figuras e temas, das estruturas semio-narrativas”[5]. Trata-se de uma perspectiva similar com a de Dominique Maingueneau, em que o discurso é orientado, regido por normas e constrói socialmente o sentido[6]. Visão diferente da de Foucault, que cunhou o nome de Arqueologia para sua forma de análise de discursos. Ele entende que o discurso é um conjunto de enunciados e ações possíveis com esses enunciados, que quando regidos sob o mesmo sistema de dispersão, fazem parte de uma formação discursiva[7].

A formação discursiva em Pechêux e Foucault se separam na medida em que, para o primeiro, existe uma dependência com a formação ideológica, que determina em última instância a linguagem: a ideologia é entendida aqui – em termos gerais – como a visão de mundo de uma dada classe. Para a análise do discurso foucaultiana, no entanto, o saber (que pode comportar uma formação discursiva) é constituído pelas posições possíveis que indiferentes indivíduos podem assumir, não havendo um corte específico de classe como a priori metodológico, mas somente se observado na própria pesquisa do discurso específico.

Gregolin afirma que “para entender os sentidos subentendidos em um texto é preciso que o enunciador e o enunciatário tenham um conhecimento partilhado que lhes permita inferirem os significados. Esse conhecimento de mundo envolve o contexto sócio-histórico a que o texto se refere”[8]. O sujeito, sendo assim, precisa estar numa situação prévia de conhecimento ou contextualização para fazer parte do discurso e se comunicar através dele. Esta observação se aplica ao entendimento pecheuxtiano, em que é possível estabelecer análises específicas e localizadas do uso do discurso como forma de comunicação. Em Michel Foucault, elementos como o contexto são parte do próprio discurso, são organizados a partir dele. Desta forma, em Pêcheux, o discurso é produzido por um sujeito que é interpelado pela formação discursiva.

Já em Foucault, o discurso se situa num saber e o foco na definição do saber mostra outro tipo de noção de sujeito do discurso,

O saber também é o espaço em que o sujeito pode tomar posição para agir dentro do discurso. Ou seja, é um conjunto de funções que articulam um dado discurso – segundo o mestre, “neste sentido, o saber da medicina clínica é o conjunto das funções de observação, interrogação, decifração, registro, decisão, que podem ser exercidas pelo sujeito no discurso médico”. Além disso, o saber é “o campo de coordenação e subordinação dos enunciados em que os conceitos se definem, se aplicam e se transformam [e o saber] se define por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso.[9]

O sujeito não é, para Foucault, uma pessoa concreta atravessada pelo discurso, mas sim uma função (ou, grosso modo, posição instável) com ações possíveis definidas pelo discurso. Daí, a primeira frase da citação acima assume outro sentido: o sujeito que pode tomar posições para agir dentro do discurso é um indivíduo indiferente que, ao ocupar esta posição de sujeito do discurso, tem limites para estabelecer relações com outros sujeitos do discurso.

A análise do discurso, em Foucault, visa encontrar as formações discursivas, mostrar as regularidades do dito, provar o vazio dos conjuntos de enunciados que se dizem verdadeiros, o objetivo foucaultiano está num nível anterior à formação das figuras epistemológicas. Michel Pêcheux busca compreender os sentidos do dito, compreender o dito num nível histórico, linguístico e filosófico através do entendimento de que os significados não são estanques e nem previsíveis. “Empreender a análise do discurso significa tentar entender e explicar como se constrói o sentido de um texto e como esse texto se articula com a história e a sociedade que o produziu. O discurso é um objeto, ao mesmo tempo, lingüístico e histórico; entendê-lo requer a análise desses dois elementos simultaneamente”, dirá Gregolin[10].

Dominique Maingueneau também nos ajuda a traçar uma linha de demarcação inicial para separar Foucault de Pêcheux: ao ser perguntado se a análise do discurso se constitui como campo separado da linguística, esclarece que “há de fato ciências sociais de pesquisa que se valem da AD, mas que não se apóiam na Linguística; elas se inspiram, por exemplo, em Michel Foucault. No que concerne à AD de inspiração lingüística, podemos sustentar a idéia de que ela é menos uma ‘subárea da ciência linguística’ do que uma zona de contato entre a Linguística e as ciências humanas e sociais”[11].

Eni Orlandi argumenta que a significação está no centro desta disciplina:

O que a gente vai observar com essa forma de análise são os processos de significação: como os sentidos são produzidos considerando que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia. O discurso que é objeto da análise de discurso é definido como efeito de sentidos entre locutores. A noção de efeito aí presente refere-se ao imaginário e à ideologia presente na constituição do sujeito e do sentido como dito.[12]

Para o linguista, há ainda três maneiras de se utilizar a AD, sendo a última, a que ele considera justa ao nome: 1) a que utiliza a AD para fazer questões filosóficas (com análise empírica do discurso deixada para segundo plano); 2) a que utiliza a AD como caixa de ferramentas para de interpretar outras disciplinas e, portanto, lhe retira toda especificidade e trabalho empírico; já a 3) enxergaria a AD como um espaço de pleno direito nas ciências humanas e sociais, um conjunto de métodos baseados em análise empírica (mas que não se traduz em uma disciplina empiricista).

Autores principais

Os pesquisadores e pesquisadoras abaixo não são necessariamente os únicos importantes, mas são os pioneiros da análise do discurso no mundo e no Brasil (com exceção de Maingueneau, que é uma figura proeminente da atualidade).

  • Michel FoucaultMichel Foucault (1926 – 1984): filósofo francês que utilizou a análise do discurso para investigar o nascimento da medicina clínica, as condições de objetivação da loucura e o nascimento das ciências humanas. Foucault foi professor no Collége de France até seu falecimento.

 

  • Michel Pêcheux, criador do conceito de condições de produção do discurso.Michel Pêcheux (1938 – 1984): filósofo francês que desenvolveu a análise do discurso de linha francesa, com base marxista e influência da psicanálise lacaniana. É famoso por discutir questões de método e se esforçar para fundar a disciplina da análise do discurso de maneira rigorosa. Trabalhou no Departamento de Psicologia do Centre National de la Recherche Scientifique.

 

  • Dominique MaingueneauDominique Maingueneau (1950 – ): É linguista e professor da Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne. Fortaleceu as bases da análise do discurso francesa, a incrementou com reflexões contemporâneas e a fortaleceu com conceitos operatórios de aplicação em textos, mídia digital, mídia televisiva, etc.

 

  • Maria do Rosario GregolinMaria do Rosário Gregolin: livre-docente em análise do discurso pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Na instituição, é líder do Grupo de Estudos de Análise do Discurso de Araraquara (GEADA) e docente no departamento de linguística, onde atua na graduação e no programa de pós-graduação em linguística e língua portuguesa.

 

  • Eni OrlandiEni de Lourdes Puccinelli Orlandi (1942 – ): pesquisadora brasileira, pioneira na esfera da análise do discurso no Brasil com suporte pecheutiano. De 1967 até 1979 foi professora da USP, quando se transferiu para o Laboratório de Estudos Urbanos da Universidade de Campinas (UNICAMP), que coordena atualmente.

 

  • Jean Jacques CourtineJean-Jacques Courtine (1946 – 2023): professor emérito na Université Sorbonne Nouvelle/Paris III, na University of California (Santa Barbara) e na University of Auckland e professor visitante na Queen Mary, de Londres. Courtine iniciou sua carreira como linguista, especializando-se em Análise do Discurso. No entanto, com o tempo, passou a se interessar cada vez mais pela história, especialmente pela história do corpo e das emoções.

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Vinicius Siqueira é pós-graduado em sociopsicologia e editor do portal de conteúdo de ciências humanas Colunas Tortas. Também é autor de “Homo Psychologicus: Lendo Doença Mental e Psicologia de Foucault” e “Modernidade Líquida: Uma Introdução”.

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Liz Feré: professora de Análise Semiolinguística do Discurso Midiático na Universidade de Paris VIII e Doutora em Ciências da Informação e da Comunicação.

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20 Comentários

  1. agradeço por possibilitar o acesso a esta importante área da filosofia da linguagem e de estudo do texto. É muito bom saber que a internet possibilitou o acesso aos altos estudos com material de qualidade. Parabéns

  2. Faltou esta: NOLLI, Joana D’Arc Moreira. O discurso do presidente JK: elementos de autoritarismo na proposta de desenvolvimento e segurança. 2005. 122f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina. 2005.

  3. Faltou essa: CUNHA. Kátia Silva. A formação continuada Stricto Sensu: sentidos construídos pelos docentes do ensino superior privado face às exigências legais. 2005. 187f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade federal de Pernambuco, recife, 2005.

    1. Por enquanto só temos em formato digital, Edivanaldo!

      Talvez, no futuro, disponibilizemos em formato físico também. Obrigado pelo comentário!

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