O que a análise do discurso investiga? Por Eni Orlandi – DROPS #18

ORLANDI, Eni. Entrevista: Eni Orlandi. Canal do YouTube da Associação Brasileira de Linguística – Abralin, 2019. Acesso em 25 jul 2022. Disponível em <<https://www.youtube.com/watch?v=BdWBAZPEKoY>>.

O que se investiga na análise de discurso que eu pratico é a relação entre o sujeito, a linguagem e a sociedade levando em conta a ideologia e não consideramos nesta perspectiva nem a linguagem como um instrumento de comunicação ou de informação nem a ideologia como ocultação. Então a análise de discurso representa um corte epistemológico fundamental nas ciências da linguagem ao trazer ao seu estudo a relação entre linguagem e ideologia, porque ao mesmo tempo em que ela faz isso, modifica a própria concepção de o que é linguagem e ideologia. A ideologia, então, nesta perspectiva de trabalho, passa a ser vista não como um conteúdo nem como ocultação, mas como constitutiva mesmo do sujeito e do sentido. Considerando a materialidade da linguagem e seu real.


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O que a gente vai observar com essa forma de análise são os processos de significação: como os sentidos são produzidos considerando que não há discurso sem sujeito e nem sujeito sem ideologia. O discurso que é objeto da análise de discurso é definido como efeito de sentidos entre locutores. A noção de efeito aí presente refere-se ao imaginário e à ideologia presente na constituição do sujeito e do sentido como dito. Considerando que o sujeito não é a origem de si, temos a interpelação do indivíduo em sujeito pela Ideologia. Tocado pelo simbólico. E essa interpelação irá produzir o que chamamos desde Pêcheux e forma-sujeito histórica, que no nosso caso é o sujeito capitalista caracterizado juridicamente em sua relação com o Estado por seus direitos e deveres. O que o faz, ao mesmo tempo, livre e responsável historicamente. Na Idade Média, tratava-se de outra forma de sujeito histórico, a forma medieval em que a relação de determinação histórica fazia com que o modo de interpelação fosse outro, de tal modo que houvesse a submissão do servo ao senhor e do senhor a Deus, que é diferente da nossa prática em que o sujeito se constitui por essa relação do Estado com o jurídico.

Isso é importante, porque há modos de assujeitamento diferentes nas diferentes formas históricas. Em sua investigação, então, entra em consideração (nessa filiação teórica) o Político e dizemos que a análise de discurso trabalha com a simbolização do Político. Jean-Jacques Courtine fala da análise de discurso como sendo um trabalho sobre a textualização do Político.

O Político no capitalismo, de acordo com nossas considerações, se constitui pelas relações de poder em que vivem os sujeitos na formação social presente entre ricos e pobres, brancos e negros, homens e mulheres, deste modo afeta pelo imaginário, pela ideologia, os sujeitos em sua divisão e em sua diferença. Resulta daí o que chamamos de posições-sujeito constitutivas da sociedade em suas relações. Já, agora, pensando essas relações no capitalismo, há o patrão e o empregado, professor e aluno e etc. Em outras palavras, o Político simboliza numa análise do discurso as diferenças sociais afetando-as por valores por causa da ideologia.

Mas os sujeitos discursivos não são definidos tal qual a sociologia os descreve, ocupando objetivamente seus lugares sociais. No discurso, é importante lembrar isso, esses lugares sociais estão representados mas transformados pois são projetados no discurso por formações imaginárias. Então, por exemplo, o que funciona no discurso não é o lugar social tal qual descrito pela sociologia objetivamente, mas atravessado já pelas formações imaginárias, pela ideologia, então o que funciona no discurso não é o lugar social do patrão, mas a imagem que se tem do patrão. A imagem que se tem de um empregado dentro do imaginário social. Em resumo, na análise do discurso, se investiga a produção de sentidos considerados em suas condições de produção e isso é muito importante, essa relação entre a produção do sentido na relação com as condições em que ele é produzido. Em que entram as formas de assujeitamento, isto é, da constituição pela ideologia, desses sujeitos e entra também nessas condições a situação.

 – Eni Orlandi.

 

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