Capital social – Pierre Bourdieu

Não só entendido como atributo das relações construídas ao longo do tempo, o capital social é um elemento de compreensão das dinâmicas sociais que, para além do capital econômico, cultural ou simbólico, se expressam na forma das redes duráveis de relações que se tem com um grupo específico.

Índice

Introdução

O capital social é um elemento da sociologia de Pierre Bourdieu que funciona como ferramenta para compreender determinadas dinâmicas sociais específicas que só podem ser entendidas por meio da observação das relações que existem num grupo e nos tipos de vantagens que os agentes sociais conseguem tirar destas mesmas relações.

Trata-se de um tipo de capital que pode ser convertido em capital econômico, ou seja, seu acúmulo pode facilitar também o acúmulo de capital econômico por meio de cargos ou alianças que são facilitadas pela participação e permanência em um grupo específico. O objetivo deste artigo é descrever como Bourdieu utiliza a noção de capital social em suas análises.

Capital social e família

De início, é importante compreender qual é o principal locus de reprodução e acúmulo de capital social nas sociedades ocidentais. Segundo Pierre Bourdieu, a família tem um lugar especial: ela concebe um sobrenome que pode facilitar o estabelecimento de relações sociais, ela concebe a sociabilidade de classe necessária para transitar entre os pares, ela concede o capital cultural e econômico que serão base para a própria introdução do agente social na vida social.

Bourdieu compreende que construir o conceito de capital social é

produzir o meio de analisar a lógica segundo a qual esta espécie particular de capital é acumulada, transmitida, reproduzida, o meio de compreender como se transforma em capital econômico e, inversamente, a preço de que trabalho pode o capital econômico converter-se em capital social, o meio de captar a função de instituições como os clubes ou, muito simplesmente, a família, lugar principal da acumulação e da transmissão desta espécie de capital (BOURDIEU, 2003, p. 60).

Apesar de não se concentrar na família, este capital específico é privilegiado para reproduzir as relações sociais que poderão ser convertidas em outras formas de capital. Este capital, quando visto dentro da família, beneficia seus membros em termos de socialização:

O capital social familiar tem uma dimensão interna às relações familiares, como recurso que beneficia diretamente os membros da família e tem uma dimensão social, na medida em que os recursos apropriados pelas pessoas são, ao mesmo tempo relevantes para o bom desenvolvimento da convivência em sociedade. Trata-se de uma propriedade da relação e não dos indivíduos (PETRINI, FONSECA, PORRECA, 2010, p. 192).

Evidentemente, o acúmulo deste capital e a incorporação do habitus necessário para a integração social de classe dependerá de como a família é organizada e, evidentemente, se ela detém certo volume de capital:

A família é o lugar onde o capital social familiar é gerado para seus membros e para a sociedade, por criar vínculos intersubjetivos e sociais. No entanto, este capital depende de como a família está organizada e da qualidade de relações que são vividas. Nesse sentido, pode-se gerar mais ou menos capital, de acordo com suas características estruturais, podendo-se observar diferenças significativas nas famílias conjugais, nas parentais, nos vínculos temporários e nas diversas etapas do ciclo da vida familiar. As relações familiares podem também apresentar um déficit de bens relacionais e, nos casos de violência intra-familiar e de outros problemas, podem originar um capital social negativo (PETRINI, FONSECA, PORRECA, 2010, p. 192).

E, mesmo dentro da família, o tempo é um elemento importante no acúmulo de capital social, na medida em que influencia a geração e a forma que este capital irá assumir no corpo dos indivíduos que estão em processo de constituição enquanto agentes sociais possuidores de um habitus de classe específico.

O tempo é uma variável que influencia a geração e a forma do capital social familiar. Devem ser observados o contexto histórico cultural e o tempo do ciclo familiar juntamente com as interações entre seus membros, além de eventos especiais que porventura tenham ocorrido. A temporalização do capital social familiar é fundamental para evitar considerar esse conjunto de recursos como um estoque fixo de bens, sem dar-se conta que ele se modifica com o passar do tempo e com a variação de outras circunstâncias (PETRINI, FONSECA, PORRECA, 2010, p. 192).

Desta forma, é possível compreender que o capital social, ou seja, o capital específico que a permanência e a participação em um grupo específico é privilegiada no âmbito familiar, lugar de acúmulo e transmissão facilitada pela própria estrutura e função da família nas sociedades ocidentais modernas.

Capital social para Bourdieu

O que é o capital social?

Embora o termo “relações sociais” tenham sido usados anteriormente, sua utilização comum tende a esconder os efeitos e as propriedades do capital social, na medida em que generaliza certo tipo específico de relação. Segundo Bourdieu (2007, p. 67), os efeitos do capital social

são particularmente visíveis em todo os casos em que diferentes indivíduos obtêm um rendimento muito desigual de um capital (econômico ou cultural) mais ou menos equivalente, segundo o grau em que eles podem mobilizar, por procuração, o capital de um grupo (família, antigo alunos de escolas de “elite”, clube seleto, nobreza, etc.) mais ou menos constituído como tal e mais ou menos provido de capital.

Ou seja, quando um agente social consegue, por pertencer a um grupo, conseguir mais resultado tendo, por exemplo, o mesmo diploma universitário que outro com menor volume de capital social. Quando um agente social consegue mais clientes em sua empresa de prestação de serviços do que seus concorrentes simplesmente por estar inserido num grupo específico que facilita a captação de contratantes. Isso pois:

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de interconheconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em ooutros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e úteis (BOURDIEU, 2007, p. 67).

A proximidade, inclusive, não pode ser reduzida ao espaço geográfico ou ao fato de se pertencer a mesmas classe social. Não se trata de uma proximidade que está reduzida no nível objetivo da renda, da posse ou do local de moradia, mas está no nível do interreconhecimento que certas práticas fornecerão aos agentes participantes:

Essas ligações são irredutíveis à relações objetivas de proximidade no espaço físico (geográfico) ou no espaço econômico e social porque são fundadas em trocas inseparavelmente materiais e simbólicas cuja instauração e perpetuação supõem o re-conhecimento dessa proximidade (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Desta forma, o capital social depende sempre da rede de relações que efetivamente se tem, mas também do volume de capital que cada participante detém, podendo transferi-lo em forma de capital social aos outros participantes.

O volume do capital social que um agente individual possui depende então da extensão da rede de relações que ele pode efetivamente mobilizar e do volume do capital (econômico, cultural ou simbólico) que é posse exclusiva de cada um daqueles a quem está ligado. Isso significa que, por um agente determinado ou mesmo pelo conjunto de agentes a quem está ligado (como bem e vê no caso do novo rico), o capital social não é jamais completamente independente deles pelo fato de que as trocas que instituem o inter-reconhecimento supõem o reconhecimento de um mínimo de homogeneidade “objetiva” e de que ele exerce um efeito multiplicador sobre o capital possuído com exclusividade (BOURDIEU, 2007, p. 67).

Os participantes do grupo, por sua vez, se compromissam a estabelecer as formas de relação de interreconhecimento a partir da busca pela recompensa, pois “os lucros que o pertencimento a um grupo proporciona estão na base da solidariedade que os torna possível” (BOURDIEU, 2007, p. 67). Entretanto, esta busca não precisa ser assumida ou subjetivamente reconhecida, muito menos pensada ou consciente. Trata-se de uma busca inconsciente – mas não psicanalítica – pelo lucro da permanência no grupo.

Desta forma, a permanência na família e todas as formas de coesão familiar podem ser bista sob a ótica negativa da quebra da instituição (e as sanções morais, institucionais e sociais que a dissolução da família podem ocasionar), mas principalmente pela ótima positiva dos lucros em permanecer numa família com renome e acesso a círculos exclusivos da sociedade em questão, ao compartilhamento do capital social que se tem quando se é pertencente a uma família aristocrata (os descendentes de Dom Pedro II), burguesa industrial ou de um membro de antigas famílias ricas do país (por exemplo, os Dória).

Junto a isso, o fato de que essa rede de relações familiares, mas que não precisam ser somente familiares, podem facilitar no reconhecimento dentro de um campo específico. A família Dória tem acesso e facilidade no desenvolvimento de novos negócios não só pelo acúmulo de capital econômico, mas também pelo acúmulo de capital social que facilita tal tipo de circulação de seus agentes entre os grandes capitalistas brasileiros. O LIDE, empresa de eventos de João Dória, é um exemplo de grupo não familiar que promove também a rede de relações duradouras entre o grande empresariado brasileiro e que, justamente por ser organizado por João Dória – membro da família Dória, possuidor do capital social que esta família lhe transmite -, garante a participação de diversos nomes importante da alta burguesia brasileira.

O investimento de tempo e o capital social

Há um preço a se pagar pela construção de relações que possibilitem a transmissão e o acúmulo de capital social: o tempo, o conhecimento e o reconhecimento dos signos que validam tal transmissão.

Fazer parte de uma rede de relações que capitalizem a própria participação dos agentes depende uma série de comunicações que precisam ser feitas seja por gestos, por palavras ou por trocas materiais, além de uma participação em eventos sociais, pequenas reuniões íntimas ou visitas obrigatórias aos agentes que devem ser visitados para se ter aceitação e reconhecimento dentro do grupo.

A rede de ligações é o produto de estratégias de investimento social consciente ou inconscientemente orientadas para a instiuição ou a reprodução de relações sociais diretamente utilizáveis, a curto ou longo prazo, isto é, orientadas para a transformação de relações contingentes, como as relações de vizinhança, de trabalho ou mesmo de parentesco, em relações, ao mesmo tempo, necessárias e eletivas, que implicam obrigações duráveis subjetivamente sentidas (sentimentos de reconhecimento, de respeito, de amizade, etc.) ou institucionalmente garantidas (direitos). E isso graças à alquimia da troca (de palavras, de representes, de mulheres, etc.) como comunicação que supõe e produz o conhecimento e o reconhecimento mútuos. (BOURDIEU, 2007, p. 68)

Na medida em que as estratégias são conscientes ou não, o agente se vê obrigado a tê-las para se inserir num grupo ou permanecer nele. Na linguagem popular, por exemplo, se diz que, ao entrar em um novo emprego, deve-se ser “político”, ou seja, é necessário ter uma conduta compassiva, compreensiva e, acima de tudo, não discordar nem ser polêmico para “construir relações”, quer dizer, para ser inserido no grupo social do trabalho que permite relações de trabalho agilizadas, privilégio em momentos de promoção, garantia de estabilidade, etc.

Continuando com o exemplo do ambiente de trabalho, ser “político” compromete o agente social, também, a participar de happy hours, pequenas conversas na cozinha, pequenas fofocas de bebedouro ou de café, pois cada um desses encontros permite o acúmulo e a transmissão do capital social necessário para aquilo que chamam de “inclusão” ou “integração” no ambiente de trabalho.

É por isso que a reprodução do capital social é tributária, por um lado, de todas as instituições que visam a favorecer as trocas legítimas e a excluir as trocas ilegítimas, produzindo ocasiões (rallyes, cruzeiros, caçadas, saraus, recepções, etc.), lugares (bairros chiques, escolas seletas, clubes, etc.) ou práticas (esportes chiques, jogos de sociedade, cerimônias culturais, etc.) que reúnem, de maneira aparentemente fortuita, indivíduos tão homogêneos quanto possível, sob todos os aspectos pertinentes do ponto de vista da existência e da persistência do grupo. Por outro lado, a reprodução do capital social também é tributária do trabalho de sociabilidade, série contínua de trocas onde se afirma e se reafirma incessantemente o reconhecimento e que supõe, além de uma competência específica (conhecimento das relações genealógicas e das ligações reais e arte de utilizá-las, etc.) e de uma disposição adquirida para obter e manter essa competência, um dispêndio constante de tempo e esforços (que têm seu equivalente em capital econômico) e também, muito frequentemente, de capital econômico (BOURDIEU, 2007, p. 68).

Existe, portanto, um tipo de esforço que é praticado para que se consiga acumular capital social e, como no caso do trabalho, convertê-lo em capital simbólico (como a conquista de metas) e capital econômico (uma promoção, uma função de maior salário, etc). Não que o capital social seja estritamente definidor para o acúmulo dos outros, mas é um elemento observável e relevante de se compreender quando se trata, como dito no início deste artigo, da eficiência do desempenho de um mesmo capital. Por exemplo, dois funcionários com o mesmo capital cultural institucionalizado, como um diploma universitário em Direito, terão diferentes desempenhos deste capital e poderão convertê-lo de maneiras distintas a depender do capital social adquirido e transmitido dentro do escritório de trabalho.

Considerações finais

Desta forma, não só entendido como atributo das relações construídas ao longo do tempo, o capital social é um elemento de compreensão das dinâmicas sociais que, para além do capital econômico, cultural ou simbólico, se expressam na forma das redes duráveis de relações que se tem com um grupo específico.

Trata-se de um capital que ajuda a compreender a permanência do capital econômico nas mesmas famílias ao longo do tempo e desmistifica a suposta “veia empresarial” de uma família específica. Ao mesmo tempo, desmistifica também a suposta falta de “tino empresarial” de agentes sociais com diploma universitário mas que, por terem origem pobre, não são inseridos nem reconhecidos em meio aos grupos empresariais estabelecidos.

Referências

BOURDIEU, Pierre. O sociólogo em questão IN Questões de sociologia. Portugal, Lisboa: Fim de Século, 2003.

BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. 9ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

PETRINI, G., FONSECA, R. & PORRECA, W. Pobreza, capital humano, capital social e familiar. Memorandum, 19, 184-197, 2010. Disponível em <<seer.ufmg.br/index.php/memorandum/article/view/9701>>.

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