Clara Zetkin e a ofensiva da burguesia – Fascismo

O fascismo nasce como ofensiva da burguesia contra o proletariado e parte da responsabilidade de sua emergência é dos partidos comunistas e social-democratas que se tornaram reformistas diante da conjuntura revolucionária. A resposta de Clara Zetkin para a ofensiva fascista é o trabalho de base e a luta com uso da violência como autodefesa.

Da série “Fascismo”.

Clara Zetkin (1857 - 1933) foi uma revolucionária marxista alemã. Foto: Gilbert Badia, 1897.
Clara Zetkin (1857 – 1933) foi uma revolucionária marxista alemã. Foto: Gilbert Badia, 1897.

A revolucionária marxista Clara Zektin escreveu em 1923 para o Labour Monthly, revista associada ao Partido Comunista da Grã-Bretanha, um artigo intitulado “Fascismo” com a posição ideal que as organizações da classe trabalhadora deviam ter perante este novo inimigo. Há dois pontos que serão abordados por este artigo, sem pretensão de guiar qualquer tipo de movimento de massas contra um inimigo fascista específico, mas com a vontade de mostrar duas noções colocadas por Zetkin que podem ajudar na concepção do fascismo na estratégia política das esquerdas.

  1. O primeiro ponto se refere ao fascismo enquanto ofensiva geral da burguesia contra o proletariado;
  2. O segundo ponto trata da ação violenta que as organizações comunistas deverão ter como possibilidade de resistência.

Primeiro ponto

Inicialmente, pode-se entender que a posição de Clara Zetkin a respeito do fascismo ainda em 1923 é relativamente avançada quando comparada com seus companheiros da Internacional Comunista. Segundo Zetkin:

O fascismo é a expressão concentrada da ofensiva geral empreendida pela burguesia mundial contra o proletariado. Sua derrubada é, portanto, uma necessidade absoluta, ou melhor, é mesmo uma questão da existência cotidiana e do pão com manteiga de todo trabalhador comum. Por estes motivos, todo o proletariado deve concentrar-se na luta contra o fascismo.[1]

Nicos Poulantzas[2] concentra parte de sua crítica para a visão equivocada e ingênua da Internacional Comunista sobre o fascismo: segundo a organização de classe, esta seria uma etapa defensiva da burguesia. Tal visão levou a organização a decisões erradas a respeito do inimigo certo a ser atacado (o fascismo ou a social-democracia) e sobre o tipo de defesa que deveria ser levado a cabo (via combate nas ruas ou através da via parlamentar).

Em sentido contrário a semelhante conclusão, para Zetkin, o fascismo é um momento de defesa do proletariado e de franco ataque da burguesia num momento de crise do capitalismo.

O fascismo, com todo ímpeto na execução de seus atos violentos, não é mais do que a expressão da desintegração e decadência da economia capitalista e o sintoma da dissolução do Estado burguês. Esta é uma das suas raízes. Os sintomas dessa decadência do capitalismo foram observados mesmo antes da guerra.[3]

Antes da Primeira Guerra Mundial, o capitalismo financeiro botou em prática seus planos da rapinagem de todo território livre do mundo, com objetivo de fortalecer os monopólios construídos pelas oligarquias financeiras na Europa e Estados Unidos da América[4]. A decadência capitalista também se expressa na violência necessária para conter as camadas proletárias da sociedade e garantir a sobrevivência do capitalismo, antes caracterizado pela livre-concorrência, depois pelos monopólios.

Após a Primeira Guerra, camadas do proletariado empobreceram, mas também da pequena burguesia, do pequeno campesinato e dos intelectuais. A melhora de vida que o liberalismo os prometeu não foi concretizada. A primeira raiz do fascismo está na desintegração da economia burguesa do pós-guerra e no empobrecimento geral dos elos mais fracos da cadeia imperialista: Itália e Alemanha[5].

A ofensiva fascista sobre o comunismo foi a forma de cooptar massas que mais cedo ou mais tarde seriam acolhidas pelos partidos de esquerda. Tal estratégia tinha como objetivo dominar a estrutura econômica e política através de um regime autoritário de direita, em posição de ataque às organizações de esquerda.

Segundo ponto

O segundo ponto pode ser contextualizado a partir da segunda metade da citação inicial de Zetkin: “Sua derrubada é, portanto, uma necessidade absoluta, ou melhor, é mesmo uma questão da existência cotidiana e do pão com manteiga de todo trabalhador comum”. Este ponto tem relação com a segunda raiz do fascismo identificada pela autora: o retardamento de revoluções comunistas na Europa através da atitude traiçoeira de líderes reformistas (aqui, Zetkin tem como alvo os integrantes da Segunda Internacional, que se tornou totalmente reformista em 1923[6]).

A responsabilidade das organizações reformistas coloca o comunismo como linha de frente na luta contra o fascismo, que também vem para a batalha com todas as armas disponíveis:

O fascismo tem características diversas em diferentes países. No entanto, tem duas características distintivas em todos os países, a saber, a pretensão de um programa revolucionário, que é habilmente adaptado aos interesses e demandas das grandes massas, e, por outro lado, a aplicação da violência mais brutal.[7]

Na Itália, o cuidado do Estado ao pequeno capital financeiro e capital agrário (apesar de insuficiente, pois os Squadri fascistas também trabalharam como apoio dos latifundiários contra os comunistas no Vale do Pó) foi chave para tornar o fascismo uma possibilidade de ofensiva burguesa em nome da indústria (principalmente a indústria pesada), que entrou em colapso após a Primeira Guerra[8][9].

Contra as estratégias proletárias de ocupação de fábricas e greves, o Partido Fascista soube utilizar toda experiência de seus membros ex-combatentes:

O Partido Fascista criou uma arma de dois gumes para a corrupção e a aterrorização da classe trabalhadora. Para a corrupção da classe trabalhadora foram criados os sindicatos fascistas, as chamadas corporações nas quais trabalhadores e empregadores estavam unidos. Para aterrorizar a classe trabalhadora, o Partido Fascista criou os esquadrões militantes que surgiram das expedições punitivas.[10]

Além disso, promessas supostamente progressistas feitas no início de vida do movimento fascista, como o sufrágio feminino e a jornada de oito horas, foram executadas com diversas manobras para evitar resultados que incomodariam a grande indústria:

  1. O sufrágio feminino foi eliminado a partir de uma lei que obriga dois terços dos assentos do parlamento serem entregues ao partido mais forte, o Partido Fascista, o que dá direito de voto possível de se concretizar somente a um “pequeno grupo de mulheres proprietárias e às chamadas ‘viúvas dos generais'”[11].
  2. A jornada de oito horas, na prática, se tornou quase invisível com a quantidade de exceções inseridas no projeto de lei apresentado pelo Partido.

Contra isso, Zetkin aponta o trabalho de base como ação essencial,

Não devemos nos limitar a continuar lutando pelo nosso programa político e econômico. Devemos, ao mesmo tempo, familiarizar as massas com os ideais do comunismo como filosofia […] Precisamos falar às massas em uma linguagem que elas possam entender, sem prejudicar nossas ideias. [12]

Mas, acima de tudo, a luta contra o fascismo deve ser uma luta de autodefesa, com vistas à sobrevivência das organizações do proletariado e, para isso, é necessário ter uma postura firme contra as investidas fascistas: “Sempre que o fascismo usa a violência, deve ser enfrentado com a violência proletária. Não me refiro a esses atos terroristas individuais, mas à violência da luta de classes revolucionária organizada do proletariado”[13].

Considerações finais

O avanço do fascismo obriga o proletariado a compreender que está numa fase de autodefesa, portanto, de estratégia ofensiva da burguesia, não de defesa tendo como última cartada a ditadura fascista.

Depois, é necessário entender que a luta deve ser travada sobre as mentes do proletariado, a partir de trabalho de base coerente para inculcar os princípios comunistas como filosofia na vida cotidiana do trabalhador, mas também deve haver luta contra a força violenta dos grupos fascistas.

Referências

[1] ZETKIN, Clara. Fascismo. Tradução de Gabriel Landi Fazzio. Labour Monthly, August 1923, pp.69-78. Disponível em <<https://bit.ly/2SD6jJZ>>. Acesso em 4 jan 2019.

[2] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo. Vol. 1. Porto: Portucalense Editora, 1972.

[3] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[4] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 4, n. 1, jun. 2012, p. 168.

[5] POULANTZAS, Nicos. Os elos alemão e italiano: a sua história IN Fascismo e ditadura: a III Internacional face ao fascismo. Vol. 1. Porto: Portucalense Editora, 1972, p. 24.

[6] MOURRE, Michel. Dicionário de História Universal, vol.II, ASA, Porto, 1998, p.694. Versão digital em Marxists.org. Disponível em <<https://bit.ly/2qVo22V>>. Acesso em 4 jan 2019.

[7] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[8] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[9] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

[10] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[11] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[12] ZETKIN, Clara. Fascismo…

[13] ZETKIN, Clara. Fascismo…

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