“Ela tava extremamente embriagada”, ou como Robinho não é especial

Da série “O caso Robinho“.

Sim, Robinho não é especial.

Quando digo especial, quero dizer específico. Robinho não é específico. Robinho é a representação pública do sujeito protagonista do mundo. Segundo o dicionário Michaelis, o significado na linguagem figurada do termo protagonista é “Participante ativo ou de destaque em um acontecimento”, mas devemos compreender esse protagonismo a partir da palavra “ativo”.


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No primeiro episódio do podcast publicado pelo UOL a respeito do caso de estupro coletivo que condenou o jogador Robinho a nove anos de prisão é possível perceber o protagonismo que localiza o homem no ato sexual: enquanto é ativo, a mulher, passiva, não existe.

Por isso que eu estou rindo, eu não estou nem aí. A mina, a mina estava extremamente embriagada, não sabe nem quem que eu sou. – Robinho, rindo, ao falar sobre o caso.

Debochado, expõe a incapacidade da mulher estuprada de acusar: por estar embriagada, não seria possível o ato de acusação e, como complemento, ela supostamente não saberia quem ele é.

Robinho é o anônimo ativo. É o participante que protagoniza de maneira anônima, portanto, inacusável, uma situação específica. Na medida em que é inacusável, a moral se perde na impossibilidade de ser reconhecido moralmente, de ser acusado e de se tornar infame. Robinho se coloca no lugar mais confortável de ação: uma ação que se faz sem a importância da autoria.

A autoria, previsível, não é desconsiderada. A autoria é irreconhecível, devido, supostamente, a embriaguez da mulher estuprada.

Um amigo de Robinho salienta:

Se ela tava ela é porque ela quis, independe de estar bêbada ou não.

Enquanto outro amigo responde:

Ninguém é responsável pela mina não, ela sabe o que estava fazendo […] faz um ano.

Por fim:

Os cara é foda, porque vê que é o Robinho e bota na mídia. [Em seguida, conspira] Os cara vai vir perguntar do Robinho, Robinho nem tava.

Vamos, agora recapitular o exposto:

  1. Ela não se lembra de Robinho, pois estava bêbada;
  2. Ela sabe do que faz, independentemente de estar bêbada;
  3. Ninguém é responsável pela mulher. Se ela estava lá, ela queria qualquer coisa que acontecesse, independentemente da embriaguez.;
  4. A acusação é dessituada, já que fazia um ano do acontecimento;
  5. O problema seria o oportunismo da mídia, já que um dos protagonistas é figura pública.

Desta forma, a embriaguez aparece como uma vaselina social para inserir a mulher numa situação que, por pressuposto, é realmente o que ela quer e sabe que vai acontecer. Estar bêbada é uma facilidade para algo que, por pressuposto, é aceito e até mesmo desejado pela própria mulher. A partir disso, a denúncia perde sua força com o complemento do tempo, que seria elemento para invalidá-la, em conjunto com suposto oportunismo da mídia. De criminoso, Robinho se transforma em vítima.

Aqui, há uma frase popular que pode ser evocada para sintetizar o parágrafo anterior a partir de uma inversão que eu considero importante: “Ela não se deu ao respeito”. A inversão aqui é do protagonismo: desta vez, a mulher é o sujeito ativo que, pela situação inserida, é culpada pelo abuso que sofreu.

Sendo assim, Robinho deixa de ser criminoso e passa a ser vítima na medida em que a mulher supostamente estava na situação porque queria. A situação se desloca e os participantes passam a ser Robinho e a mídia oportunista. Robinho e aqueles que querem o difamar.

Por que considero que Robinho não é especial?

Esta dinâmica de inversão entre abusador e vítima não é incomum e a pressuposição de que a vítima é vítima porque quer não revela qualquer novidade no machismo à brasileira. Tal dinâmica me parece representar um mecanismo perfeito ao abuso: a moralização do ato presente a partir de uma condição passada. Na medida em que bebeu, a mulher, que passa a ser protagonista nesta inversão macabra, se colocou na situação de ser abusada.

O discurso machista isola, individualiza e moraliza práticas que são sociais: as falas entre Robinho e seus amigos não são produzidas após a prática, mas são parte integrante da prática. Sem um discurso que coloque protagonismo no homem enquanto narrador do ato e depois insira protagonismo na mulher no momento da carga moral negativa, não é possível a prática indiscriminada de abuso. A palavra marca o corpo e conduz o movimento.

Desta forma, as conversas entre Robinho e seus amigos marcam na concretude das palavras o próprio estupro: o estupro se faz na junção da prática entre os indivíduos e, evidentemente, no elemento simbólico que os coloca na esfera social: na palavra. A conversa é parte do estupro.

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