Da série “Fascismo“.
A Itália foi o berço do fascismo e, assim como a Alemanha, também é analisada por Nicos Poulantzas a partir de sua posição frágil na cadeia imperialista. O país também teve seu processo de industrialização tardiamente iniciado, por volta de 1880, mas desde o início com tendência de fusão do capital bancário com o capital industrial e ritmo elevado de concentração de capital. “O capital industrial monopolista não <<precedeu>> a constituição do capital financeiro, foi antes o seu corolário”[1].
Durante a Primeira Guerra Mundial, o processo de concentração que já andara em franco crescimento foi intensificado e, logo após a guerra, a Itália entrou em uma grave crise econômica, cujo processo atravessa a desigualdade brutalmente estabelecida entre o desenvolvimento industrial e os desenvolvimentos do capitalismo no campo.
A ausência quase total de reforma agrária – reforma que se verificou nas regiões do Oeste da Alemanha – e persistência do carácter feudal das explorações dos grandes agrários do Sul da península não só retardaram o ritmo de acumulação primitiva do capital como (e isto é o mais importante) cavaram o fosso do desenvolvimento desigual interno e acentuaram os seus efeitos secundários sobre o mercado interno e a indústria.[2]
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, a grande vencida foi a agricultura italiana. Antes da guerra, somente metade da produção agrícola era comercializada e suas formas arcaicas contribuíram para a distância entre o desenvolvimento industrial e o desenvolvimento no campo. Já a indústria italiana também sofreu no período pós-guerra: primeiro, foi artificialmente alimentada com as encomendas de guerra, mas logo que esta cessou, a indústria se viu privada de mercado. Como foi constituído tardiamente, o setor industrial não se importava com o problema dos mercados consumidores, que foi sanado por países imperialistas através da conquista de colônias.
A guerra <<colonial>> da Líbia correspondia – devido ao carácter precoce e artificial do avanço do capitalismo financeiro italiano – a uma existência de exportação de capitais, mas, sobretudo, como o sublinhou Gramsci, a razões políticas: à tentativa de estabelecer na Líbia os camponeses pobres do Sul, isto é, a promessas de reforma agrária no solo africano.[3]
A dívida externa da Itália tomou dimensões catastróficas e o capital industrial, de nascimento tardio, teve pouca autonomia para adaptar e relançar a indústria no pós-guerra.
As fendas do processo de enfraquecimento da Itália para colocá-la na posição de elo fraco da cadeia imperialista se localizam no processo de revolução democrático-burguesa no país. Tal processo se iniciou como ofensiva contra-revolucionária após as sublevações de 1848, momento em que a burguesia italiana estava completamente enfraquecida e foi colocada em aliança com a grande propriedade agrária do Sul do país no processo de unidade nacional promovido por Camilo Benso, o Conde de Cavour.
Cavour disponibilizou à burguesia italiana preponderância política sobre os agrários do Sul na aliança recém formada e Francesco Crispi a consolidou, no entanto, o preço para a supremacia política foi barrar a reforma agrária, deixar de apoiar o campesinato agrário e não seguir o modelo estratégico feito pelos jacobinos. Uma revolução passiva, nas palavras de Antonio Gramsci, feita por uma burguesia muito mais fraca que a sua correlata alemã.
Com a separação entre o Norte industrial e o Sul agrário o processo de unificação nacional não teve fim e, assim inacabado, viu as distâncias entre ambas as partes aumentarem no setor econômico mas também político, com a ausência do setor agrário em decisões políticas. Tal separação também foi vista por uma contradição político-ideológica entre as massas populares de operários no Norte e camponeses no Sul.
Para manter o controle de um Estado capitalista sobre uma classe capitalista fraca, o Estado teve que ser centralizado e burocratizado, mas essa centralização era aparente: os órgãos do Estado detinham certa autonomia local, o que garantiu a manutenção econômica e político-ideológica dos agrários do Sul frente à estratégia de dominação da burguesia do Norte.
A Itália apresenta-se pois, no fim da guerra, simultâneamente como um país econômicamente <<em atrasado>>, em relação aos outros elos da cadeia imperialista, e, de certo modo, <<em avanço>> sobre si próprio. Este avanço, que consistia na precoce e factícia concentração financeira, não é mais do que um dos vários efeitos do seu <<atraso>> em relação aos outros elos.[4]
O país estava em uma situação de fraqueza relativa quando comparado com os outros países imperialistas, com atraso econômico visto também nessa comparação, no entanto, progresso interno artificialmente produzido.
Considerações finais
Assim como a Alemanha, a Itália também passou por uma revolução democrático-burguesa sem a força necessária para a burguesia impor a forma de Estado burguesa como hegemônica e, assim, teve que absorver responsabilidades com interesses agrários para dar conta da contradição que ali se desdobrava.
Assim, as camadas agrárias na Itália continuaram a ter influência política na medida em que formavam uma classe social mais consistente e forte na relação de forças com a burguesia. A supremacia política da burguesia se dava através do controle da reforma agrária, evitando alianças com os setores do campesinato e do operariado.
No entanto, ainda assim, a Primeira Guerra Mundial foi provocadora da falência do setor agrário, da falta de mercado para comercialização do setor industrial e estopim para a emergência de contradições político-ideológicas entre as regiões Norte e Sul do país.
Referências
[1] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1. São Paulo: Martins Fontes. 1ª Ed, 1978, p.30.
[2] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.31.
[3] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.31.
[4] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.35.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.