Da série “Imperialismo em Lenin“.
Primeiramente, o monopólio das indústrias deu características novas ao capitalismo do fim do século XIX. Em seguida, este monopólio foi acompanhado pelos bancos, que passaram a concentrar um capital-dinheiro essencial à indústria e começaram a decidir seus caminhos. Por fim, o resultado é a fusão do capital industrial com o capital bancário com tendência ao monopólio, denominada de capital financeiro. O objetivo deste artigo é entender como as oligarquias financeiras se fortalecem internamente e no estrangeiro.
Novamente, o capital financeiro é como se nomeia o capital bancário em forma de dinheiro que se transforma em capital industrial através do uso (monopolista) de capitalistas. “Concentração da produção; monopólios que resultam da mesma; fusão ou junção dos bancos com a indústria: tal é a história do aparecimento do capital financeiro e daquilo que este conceito encerra”[1].
Como última etapa de conceituação de imperialismo, é necessário compreender como o movimento de concentração de capital-dinheiro em bancos e capital industrial em poucos grupos dominou o início do século XX. O total de emissões no mundo (com valores na base de milhares de milhões), obtidos através do economista francês Alfred Neymarck, com dados do boletim do Instituto Internacional de Estatística de 1912, mostra como o capital financeiro cresceu vertiginosamente da década de 1890 para a a década de 1910:
Na viragem da fase imperialista e, portanto, monopolista do capitalismo, o poder do capital financeiro quase duplicou quando comparados cada um dos últimos dois períodos com suas décadas anteriores. No ano de 1910, calcula Neymarck novamente, o total emitido no mundo é de aproximadamente 815 mil milhões de marcos, ou 600 mil milhões, deduzindo aproximadamente as duplicações. Com base neste número, tem-se a seguinte tabela de divisão do capital-dinheiro emitido no ano:
Os quatro países que se destacam na tabela acima são Inglaterra, França, Estados Unidos e Alemanha. Os dois primeiros são velhos países capitalistas ricos em colônias, enquanto os dois últimos se desenvolveram com rapidez e contaram com a grande difusão dos monopólios na produção.
Os quatro juntos têm 479 mil milhões de francos, isto é, cerca de 80% do capital financeiro mundial. Quase todo o resto do mundo exerce, de uma forma ou de outra, funções de devedor e tributário desses países, banqueiros internacionais, desses quatro “pilares”do capital financeiro mundial.[2]
E isso ocorre independentemente dos esforços em tornar a posse de ações democrática.
Com efeito, a experiência demonstra que basta possuir 40% das ações para dirigir os negócios de uma sociedade anônima, pois uma certa parte dos pequenos acionistas, que se encontram dispersos, não tem na prática possibilidade alguma de assistir às assembléias gerais, etc. A “democratização”, da posse das ações, de que os sofistas burgueses e os pretensos “sociais-democratas”oportunistas esperam (ou dizem que esperam) a “democratização do capital”, o aumento do papel e importância da pequena produção, etc., é na realidade um dos meios de reforçar o poder da oligarquia financeira.[3]
Neste cenário, a possibilidade de compra de ações por agentes com menos dinheiro acumulado é facilitador para a administração das oligarquias financeiras (os Estados tributários e seus bancos), que dominam os monopólios industriais e bancários. No entanto, o mercado interno é limitado e o capital financeiro precisa ser aplicado em mercados externos através de sua exportação.
“O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital”[4], afirma Lenin. Afinal, na medida em que a produção de mercadorias alcança seu grau mais elevado e o desenvolvimento da troca invade tanto o mercado interno como o externo, é vantajoso aos países com desenvolvimento avançado das forças produtivas exportar suas mercadorias e seus capitais.
Este excedente de capital que passa a ser exportado não existiria se o capitalismo tivesse desenvolvido a agricultura no fim do século XIX, tão atrasada quando comparada com a indústria. Esta é, inclusive, uma crítica desenvolvida por críticos pequeno-burgueses ao capitalismo, assinala Lenin. Entretanto, trata-se de uma situação impossível, pois com tal iniciativa visando a melhora das condições de vida das massas, o próprio capitalismo deixaria de ser capitalismo.
Enquanto o capitalismo for capitalismo, o excedente de capital não é consagrado à elevação do nível de vida das massas do país, pois significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas, mas ao aumento desses lucros através da exportação de capitais para o estrangeiro, para os países atrasados.[5]
Exporta-se, reitero, pois o capitalismo “amadureceu excessivamente” em alguns países que, sem opções para investi-lo lucrativamente (e relembremos da desigualdade entre campo e indústria já dita anteriormente: diminuir a miséria das massas não é uma opção lucrativa), enviam seus capitais para destinos mais rentáveis.
Abaixo, os dados agrupados por Lenin sobre o capital investido no exterior para os três países capitalistas mais importantes no início do século XX:
Agora, os dados sobre o local onde esses capitais estão investidos:
Percebe-se aqui:
- A Inglaterra desponta entre os países com investimento no exterior devido a suas posses coloniais (Canadá e territórios na África), destinos de exportação de capitais;
- A França, por sua vez, tem maior parte de seus capitais em países da Europa, sendo 10 mil milhões de marcos ao menos na Rússia. Neste caso, não se trata do capital colonial, como da Inglaterra, mas de capital usuário, já que essa exportação tem como objetivo atender demandas de empréstimo;
- Já a Alemanha não tem grandes colonias e divide equilibradamente seus investimentos entre Europa e América.
A exportação de capitais não é feita ingenuamente. As relações firmadas entre os monopólios e seus clientes são construídas para gerar situações comerciais favoráveis, explica Lenin:
É muito corrente que entre as cláusulas do empréstimo se imponha o gasto de uma parte do mesmo na compra de produtos ao país credor, em especial de armamentos, barcos, etc. A França tem recorrido freqüentemente a este processo no decurso das duas últimas décadas (1890-1910). A exportação de capitais passa a ser um meio de estimular a exportação de mercadorias.[6]
Na própria negociação de um empréstimo o Estado usurário firma acordos de comércio com o Estado devedor.
“O capital financeiro estende assim as suas redes, no sentido literal da palavra, em todos os países do mundo. Neste aspecto desempenham um papel importante os bancos fundados nas colônias, bem como as suas sucursais”[7], diz Lenin. Isso pode ser explicado com dados de 1904 de alguns países europeus, entre eles, os impérios da Inglaterra, França e Alemanha:
- A Inglaterra, tinha 50 bancos coloniais, com 2279 sucursais. Em 1910, este número passa para 72 bancos com 5449.
- A França tinha 20 bancos com 136 sucursais;
- A Holanda possuía 16 bancos com 68 sucursais;
- Por fim, a Alemanha tinha 13 bancos com 70 sucursais.
Só na América do Sul, Inglaterra e Alemanha exportaram cerca de mil milhões de marcos no fim do século XIX e início do século XX. Argentina, Brasil e Uruguai têm 46% de todo o seu comércio destinado aos dois impérios, no período.
Considerações finais
A oligarquia financeira é constituída pelos Estados com grande acúmulo de capital financeiro e por seus agentes rentistas, como bancos. O poder das oligarquias está acima de sua função aparente, pois os bancos não só emprestam capital-dinheiro como também guiam os rumos da indústria.
Com o desenvolvimento do capital financeiro, o número de emissões nos bancos aumentou drasticamente. Uma nova fase do capitalismo se construiu intensamente na última década do século XIX, a fase imperialista, com grande circulação de capital bancário convertido em capital industrial.
Por fim, o excedente de capital dos países avançados na implementação do modo de produção capitalista é injetado no mercado externo, se transforma capital para os bancos nacionais em territórios estrangeiros e empréstimo para Estados e colônias subdesenvolvidas.
Referências
[1] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 4, n. 1, jun. 2012, p. 168.
[2] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 176.
[3] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 169.
[4] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 177.
[5] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 177.
[6] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 179.
[7] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p. 180.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.