Tadeusz Kantor e sua arte soturna

Cultuado como um diretor de teatro revolucionário, Tadeusz Kantor também contribui para uma visão mais humilde em relação do artista e da arte. Se sua obra sombria retrata muito daquilo que move suas peças, a estranheza que nos desperta pode ser traduzida como o efeito que um verdadeiro trabalho artístico.

Tadeusz Kantor teatro da morte
Kantor

Tadeusz Kantor foi um pintor e diretor de teatro polonês, sendo amplamente reconhecido por seu teatro experimental em toda a Europa, tendo como principal obra a peça Dead Class. Suas pinturas são sombrias e melancólicas, muitas vezes retratam a futilidade de um movimento vão na vida, entretanto, o que me fez entrar um pouco em seu mundo foi a citação na sua página do DDG:

“I now maintain that a genuine work of art is enclosed, inaccessible. The rôle of the viewer consists in keeping in the shadow of that work. It is not true that we come to a museum to consume art. It was the bourgeois cannibalism of the 19th century that was responsible for the glorification of that non-artistic attitude towards a work of art.”
Tadeusz Kantor, 1979

“Eu mantenho a posição de que o trabalho genuíno da arte é inacessível. O papel dos observadores consiste em lidar com as sombras deste trabalho. Não é verdade que nós vamos aos museus para consumir arte. Foi o canibalismo burguês do século 19 o responsável pela glorificação destas atitudes não-artísticas perante uma criação artística.” – Tradução livre

Há algo interessante: a questão de sua época era relacionada a um esforço em retirar a arte dos abusos da política. A arte foi utilizada no nazismo e no stalinismo como aparelhos ideológicos fortíssimos, como agregadores e sempre com fins estratégicos para fortalecer a ideologia das classes dominantes. Com a força que a arte por si mesma estava tomando, sem compromisso com nada ao seu redor e sendo produzida para seu próprio fim (o fim artístico, o belo, o prazer estético, seja lá como for), a arte estava se tornando um pedaço de pura subjetividade. Mas é possível que algo seja pura subjetividade?

Para dialogar com excerto acima, vou tentar utilizar Christopher Caudwell que, em seu livro Estudos de uma cultura agonizante coloca uma boa conceituação do que seria a arte do ponto de vista social – para ele, arte é aquilo que modela a “consciência afetiva dos seus membros [da sociedade], [é o] condicionamento dos seus instintos”.

Christopher Caudwell
Caudwell

Isso quer dizer que a arte é aquilo que liberta alguma formação ideativa reprimida e, ao mesmo tempo, cria possibilidades de uma repressão mais concreta. É aquilo que causa uma “quebra” na linguagem, que num primeiro momento não pode ser classificado, mas que é afastado ou negado por aquilo que ele chama de trajes sociais (como as formulações da moral).

 

Quando Tadeusz Kantor salienta que a arte é enclausurada em si, que é inacessível, pode-se dizer que, em relação aos movimentos que se esforçavam para retirar qualquer conteúdo não artístico da arte, a arte precisa de um contexto político-social para existir. Ela é inacessível por que só um indivíduo despido de sociedade pode tocá-la. Só um indivíduo fora das relações sociais consegue adentrar na arte pura, mas um indivíduo fora destas relações nunca saberia o que é a arte – fica aí impossível tocar a arte de um jeito puro.

O objeto artístico é o ponto mais interessante. Daquilo que é a obra de arte. Para isto, Pierre Bourdieu já trabalhou com a ideia de que a arte é o que é quando definida socialmente como arte. Ou seja, os objetos artísticos são da esfera da arte por que os artistas (autoridades do assunto) assim disseram e também o conceito do que é a arte, da teoria da estética, é completamente arbitrário. Não é algo em si, é algo que precisa ser aprendido. Ou seja, quando Kant diz que a arte é definida por uma apreciação desinteressada, não está fazendo uma definição objetiva do que é a arte, mas definindo a maneira correta de se apreciar um objeto artístico definido socialmente. Bourdieu faz parte de uma sociologia desmistificadora, com certeza.

É assim que a arte nunca é pura, pois ela acaba dependendo da própria formação do sujeito dentro da sociedade em que vive. Ninguém classifica as coisas sozinho, é necessário uma autoridade que aponte alguns nomes necessários.

O trabalho de Kantor, assim, simboliza a atitude de realizar a “quebra” proposta por Caudwell, aquilo que caracteriza a arte como processo social. Uma arte difícil de se simbolizar, difícil de se apreender, de colocar em algum grupo já pensado. Não estou falando somente de suas obras em tela, mas também de seu teatro (de fato, muito mais famoso que suas pinturas).

É provável que, para alguns e a primeiro momento, suas obras sejam de estranheza desconfortante, mas esta atitude afetiva perante suas pinturas sombrias é parte de um processo de recategorização de sua obra. É óbvio, também, que seu trabalho é datado. Com tantos filmes de terror feitos em massa por uma indústria cultural sedenta pelo medo mais forte e momentâneo possível, uma pintura soturna não seja algo tão aterrorizante, tão difícil de se classificar, mas vale a pena o esforço de se reconduzir para a época em que as obras nasceram.

Tadeusz Kantor A soldier carries the picture, on which is painted how he carries the picture, 1987
A soldier carries the picture, on which is painted how he carries the picture, 1987

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