Tempo e espaço – Modernidade Líquida

"Os homens e mulheres do presente se distinguem de seus pais vivendo num presente 'que quer esquecer o passado e não parece mais acreditar no futuro'".

Da série “Modernidade Líquida”.

BaumanNo início do capítulo “Tempo/Espaço”, interessa para Zygmunt Bauman mostrar um projeto (privado) diferente de habitação: se trata do Heritage Park, uma cidade planejada por George Hazeldon, arquiteto inglês que na época do lançamento de Modernidade Líquida, morava na África do Sul. Seus planos envolviam a construção de uma cidade própria para a vigilância constante feita entre os moradores, uma fortaleza segura de qualquer forma de ataque externo e, ao mesmo tempo, um claustro de sufocamento interno.

O espaço e o outro

A dinâmica do externo e interno integram a emergência do que Bauman vai chamar de comunidades. O preço de uma casa no Heritage Park é também o convite para entrar num círculo restrito do que resta de nossa imaginação utópica: a vontade de (e o esforço para uma) sociedade perfeita se perderam nas transformações da individualidade no capitalismo pesado para o capitalismo leve, o último suspiro de um rascunho de solidariedade restou nas ditas comunidades, espaço pequenos, vizinhanças, com regras claras de convívio e administradas ostensivamente. A vida “em harmonia” transformou-se em um argumento de vendas e os projetos de Hazeldon pretendem vender esta sensação.

O outro que deve ser evitado em projetos como este é o novo mau-caráter: o assaltante, o pixador, o vagabundo. Bauman pontua que, segundo pesquisa do Victorian Institute of Forensic Mental Health, “mais e mais pessoas estão denunciando falsamente terem sido vítimas de assaltantes, gastando credibilidade e dinheiro público”[1]. O novo outro da paranoia não é mais uma bruxa, um monstro, um comunista, uma agência de espionagem, mas sim um assaltante (ou um dito vagabundo, no geral). O medo líquido se constitui por uma insegurança existencial, uma marca que o autor chama de medo secundário, que é inculcado socialmente, é ele que mantém a sensação de insegurança em determinados lugares e horários (como becos e avenidas à noite) sem que o perigo já tenha se apresentado.

Os vagabundos são os inimigos sempre presente que o medo secundário apita, os mobile vulgus da modernidade líquida, os tipos sociais sempre em movimento, que se espalham por lugares que não deveriam estar (como mendigos que dormem na porta de bancos, pedintes famintos em frente a restaurantes de luxo). O dinheiro público gasto através das denúncias falsas de assaltos não são mais do que o dinheiro já reservado para a caça destes novos fantasmas da cidade, que movimentam o aparato repressivo para sua perseguição, de maneira que as pessoas “certas”, as normais, possam se acalmar e viver suas vidas sem sustos.

O movimento da repressão, então, é o de apaziguamento de um medo já instalado no indivíduo, em sua maneira de ver e lidar com o mundo, ou nos termos do sociólogo francês Pierre Bourdieu, em seu habitus. Este apaziguamento não resolve o problema, mas torna a tensão do medo permanente, já que a coloca em estado secundário, mas ainda a deixa potencialmente viva no cotidiano de cada indivíduo.

Bauman cita a socióloga Sharon Zukin para lidar com os problemas do medo urbano,

O perigo mais tangível para o que chama de “cultura pública” está, para Zukin, na “política do medo cotidiano”. O espectro arrepiante e apavorante das “ruas inseguras” mantém as pessoas longe dos espaços públicos e as afasta da busca da arte e das habilidades necessárias para compartilhar a vida pública.[2]

Se este espectro arrepiante ajuda a entender a fuga do espaço público (e a privatização da vida como um todo), ao mesmo tempo, possibilita notar que a comunidade é o lugar em que esse medo seria evitado. Corporificados nos assaltantes e vagabundos, os inimigos seriam colocados para fora da comunidade existente na cidade planejada de Hazeldon, essa que separaria minuciosamente os locais para convívio e selecionaria à dedo quais pessoas poderiam ou não os frequentar.

De antemão, é possível entender que a comunidade vigiada, colocada como planejamento e arquitetura urbana legitimamente moderna,  contraria o que a cidade pretende ser. Bauman cita Richard Sennett para dizer que a cidade é “um assentamento humano em que estranhos têm chance de se encontrar”[3]. Ou seja, um lugar que garante a boa convivência entre estranhos. O encontro de estranhos, por sua vez, é um encontro sem passado – e potencialmente sem futuro – é um contato a partir do zero. Um evento virgem. E o que garante a convivência num nível mínimo de harmonia dentro de uma cidade é aquilo que Sennett chamou de civilidade.  Civilidade pede o uso de máscaras para favorecer a sociabilidade e esconder qualquer sentimento privado das pessoas que as usam, basicamente é com a civilidade que o outro não sente o peso de estar conosco (e vice-versa).

O problema é que a civilidade só pode acontecer em um ambiente civil, um espaço público que promove o encontro entre estranho sob um conjunto de regras de convivência recíprocas. O indivíduo pede este espaço específico para mostrar sua persona pública, no entanto, cada vez mais os espaço públicos urbanos não contém a característica de serem de fato civis. Estes, por sua vez, são classificados em duas grandes categorias nas cidades contemporâneas, diz Bauman, e cada uma das categorias afasta o espaço público do modelo ideal de espaço civil.

A primeira categoria é representada pela praça La Défense, em Paris, em que o espaço é resguardado, fechado para passeios, nas costas de prédios imponentes e nada convidativo para que pedestres sentem em seus bancos. O espaço é público, mas não civil.

Há, é certo, um grupo de bancos geometricamente dispostos no lado mais afastado da praça; eles se situam numa plataforma um metro acima do chão da praça – uma plataforma como um palco, o que faria do ato de sentar-se e descansar um espetáculo para todos os outros passantes que, diferentemente dos sentados, têm o que fazer ali.[4]

Já a segunda categoria de espaço público mas não civil serve aos indivíduos enquanto consumidores, inclusive faz parte da formação do indivíduo consumidor. São os shoppings, os cafés, as ruas de lojas de grife, os outlets, estes marcos do consumo que incentivam a ação, não a interação. As pessoas que se encontram nesses lugares não interagem entre si, mas estão, por sua vez, juntas em prol de um mesmo objetivo (consumir as mesmas coisas). A interação não pode ser incentivada, pois ela afastaria o foco necessário às compras e a tarefa de comprar é exclusivamente individual, é uma experiência experimentada e vivida subjetivamente.

As multidões nos “templos de consumo”, conceito do sociólogo George Ritzer, não são congregações, são somente agregados, não chegam a formar uma totalidade. Logo que o indivíduo entra nestes espaços, é interpelado e chamado a participar da ideologia, se livrar de seus laços afetivos por outras pessoas – mesmo que somente por um período curto de tempo – e se dedicar completamente ao consumo individual. Esta dedicação poderia ser atrapalhada na presença de estranhos que não jogam o mesmo jogo de consumidor, como os vagabundos acima descritos, por isso eles são afastados, expulsos se necessário, destes espaços.

Os templos do consumo são também espaços completamente diferentes daqueles em que se convive no cotidiano, pois suas regras permitem um tipo de experiência impossível no dia a dia, é somente ali que o consumidor pode dedicar todo seu tempo para o consumo e será rodeado por estímulos que não só lhe farão satisfazer o querer da compra, mas também tornarão este querer infindável. Os templos do consumo são lugares separados da sociedade, suspensos, ele mantém uma distância segura (social ou física) da cidade e pode flutuar para sempre em seu espaço autossustentado. É um “lugar sem lugar”, purificado das impurezas da cidade.

Dentro destes templos, as pessoas que estão encorajadas a satisfazer objetivos muito parecidos formam uma comunidade: indivíduos semelhantes que conseguem viver sem conflitos (isso porque a única coisa que interessa é a vida à compra). Enquanto uma comunidade, esses consumidores não entram em conflito, não precisam ser empáticos uns com os outros, não precisam resolver problemas coletivamente. Todos aqueles que estão nos corredores dos shoppings desejam as mesmas coisas e não estão dispostos a frear seus quereres para reatar um laço deixado do lado de fora do templo.

Podemos encostar nos ombros de “outros como nós”, fiéis do mesmo templo; outros cuja alteridade pode ser, pelo menos neste lugar, aqui e agora, deixada longe da vista, da mente e da consideração. Para todos os propósitos, o lugar é puro, tão puro quanto os lugares do culto religioso e a comunidade imaginada (ou postulada).[5]

Segundo Claude Lévi-Strauss, somente duas estratégias foram utilizadas na história da humanidade com a necessidade de lidar com o outro: uma chamada antropoêmica e outra denominada antropofágica.

  • A estratégia antropoêmica consiste na exclusão e isolamento do outro. O sujeito apartado é impedido de firmar laços sociais, estabelecer relações de comércio e ter uma função em geral na sociedade. “As variantes extremas da estratégia ‘êmica’ são hoje, como sempre, o encarceramento, a deportação e o assassinato. As formas elevadas, ‘refinadas’ (modernizadas) da estratégia ‘êmica’ são a separação espacial, os guetos urbanos, o acesso seletivo a espaços e o impedimento seletivo a seu uso”, diz Bauman[6].
  • Já a estratégia antropofágica se resume à retirar do outro tudo aquilo que não o faz parte do nós. Ou seja, absorver os corpos estranhos até que se tornem massa integrantes dos corpos que absorvem. O exemplo óbvio é o canibalismo, mas as assimilações forçadas (como nas cruzadas, nas guerras contra costumes locais, cultos e dialetos) também estão no bojo desta estratégia. Enquanto a primeira estratégia quer eliminar o outro fisicamente do espaço social do nós, a segunda visa eliminar sua alteridade, desaliená-lo.

Essas duas estratégias têm consonâncias com os espaços públicos não civis descritos acima, já que a praça La Défense se organiza exatamente para expulsar os passantes, enquanto os templos de consumo visam eliminar qualquer alteridade que possa causar conflitos: o que interessa é o sujeito enquanto consumidor. Ambas, inclusive, procuram responder a mesma questão: como lidar com o encontro com estranhos? A resposta, claro, é o não-encontro com estranhos.

Junto a essas duas categorias já exemplificadas e com estratégias explicadas, Bauman assume que é necessário incluir uma terceira: a dos não-lugares. Estes não-lugares não são muito diferentes da praça La Défense, mas carregam uma diferença básica na medida em que permitem um fluxo inevitável de estranhos, que passam a ser vistos somente como matéria física, não social. Todos são diferentes, não abdicaram de sua alteridade, mas o não-lugar tem como função anular qualquer possível contato e impor um padrão de conduta de isolamento autocentrado. Exemplos de tal lugar destituído de qualquer identidade são as salas de espera dos aeroportos, os transportes públicos e os quartos de hotel.

A quarta categoria de lugar possível são os espaços vazios. Estes, diferentes dos não-lugares, ainda mantém alguma diferença, no entanto, elas são invisibilizadas. Os espaços vazios são guetos não frequentados por moradores de condomínios que, em sua ausência, esquecem a própria possibilidade de estar em tal lugar. São espaços vazios de significado e por não terem significado, nem mesmo se imagino que possam ser algo além de vazios. Eles podem ser de dois tipos: restos arquitetônicos das constantes mudanças no projeto de sociedade, como bairros pobres, moradias improvisadas, cortiços, mas também são criados a partir da própria estrutura cognitiva das pessoas, dos mapas da cidade que cada um faz em sua cabeça, Bauman dá como exemplo uma amiga que lhe buscou para palestrar em uma cidade no sul da Europa e, durante o trajeto de carro, levou cerca de duas horas para chegar ao hotel em que ele estava hospedado. No outro dia, o sociólogo chamou um taxista que o levou por caminhos alternativos, em meio a bairros pobres, e demorou cerca de 10 minutos para chegar de volta ao aeroporto.

As quatro categorias atuam numa frente única que, se não evita por completo o encontro físico entre duas pessoas, ao menos anula qualquer tipo de interação. A interação não é apreendida naturalmente, há uma arte própria de viver que envolve a sabedoria de se relacionar com estranhos, porém, com o fim de um objetivo fixo para a vida, a cultura passou a ter apelo maior para os indivíduos. Ou seja, como não há projetos coletivos para se seguir individualmente, portanto, como não há uma arte própria de viver que se refere ao cumprimento de deveres que ajudarão a realizar tal projeto, a fazê-lo real, o mais próximo da fixidez que os indivíduos da modernidade líquida podem chegar é na filiação cultural.

Esta filiação cultural, por sua vez, tem relação direta com o sentido da cultura propriamente americano, que se relaciona antes de tudo com a etnicidade. A etnicidade, por meio da filiação cultural, se tornou um modo legítimo de encontrar a profundidade de um nicho dentro da sociedade. É por isso que

escavar um nicho, não há dúvida, implica acima de tudo separação territorial, o direito a um “espaço defensável” separado, espaço que precisa de defesa e é digno de defesa precisamente por ser separado – isto é, porque foi cercado de postos de fronteira que permitem a entrada apenas de pessoas “da mesma” identidade e impedem o acesso a quaisquer outros. Como o propósito da separação territorial é a homogeneidade do bairro, a “etnicidade” é mais adequada que qualquer outra “identidade” imaginada.[7]

A etnicidade é uma saída para o espaço polifônico constitutivo da sociedade, a formação de espaços físicos exclusivos é a concretização material desta construção de comunidade, local em que não há conflitos porque não há diferenças. No espaço polifônico, segundo as comunidades unidas por etnicidade, ninguém saber falar com ninguém, já o nicho seguro é o local em que todos são parecidos com todos, local em que há pouco para se falar e a fala é sempre fácil.

Tampouco surpreende que, sem muita consideração pela lógica, outras comunidades postuladas, enquanto reivindicam seus próprios “nicho na sociedade”, queiram tirar sua lasquinha da etnicidade e inventem cuidadosamente suas próprias raízes, tradições, história compartilhada e futuro comum – mas, antes e acima de tudo, sua cultura separada e singular, que por causa de sua genuína ou putativa singularidade merece ser considerada “um valor em si mesma”.[8]

Os reflexos na vida pública podem ser vistos nos discursos políticos de que a maior importância está na identidade, não nos interesses articulados pelos indivíduos, portanto, o que se deve ver nos candidatos políticos seriam suas raízes, não seu projeto político (e nem mesmo os interesses de cada indivíduo). É a identidade que se impõe, de cima pra baixo, como meio de juntar os fragmentos da vida na sociedade líquida, já que o interesse não é mais um critério coletivo. Neste panorama, é o fim da comunidade formada pela etnicidade é somente sua autorreprodução, protegida através do isolamento de estranhos e o mínimo de contato com o outro.

As políticas de separação étnica são o resultado deste tipo de desdobramento. Há o outro, mas há um outro que é mais outro ainda: o estrangeiro. As políticas de exclusão e isolamento de estrangeiros são sintomas de uma patologia social e política, o esvaziamento do espaço público e a decadência do esforço ao diálogo e à negociação, além da substituição de qualquer tipo de civilidade através de técnicos de afastamento.

O objetivo do Heritage Park, por sua vez, é exatamente esse: gerar um espaço de pouco diálogo, de conversas seguras e previsíveis, de pouco contato e de pouca interação. O espaço na pós-modernidade, uma delimitação segura para falar sobre o que quiser, no entanto, sem nada para se falar.

O tempo

Para Bauman, a modernidade foi a época que inaugurou a história do tempo, na medida em que criou técnicas e tecnologias para modificar a relação própria do sujeito com ele, como a construção de veículos que se movem mais rápidos que as pernas humanas, que podem diminuir uma viagem, o tempo de correspondência ou o tempo de ataque numa em guerra entre duas nações.

Diferente do espaço e dos mares, o tempo não tem uma forma fixa, não opera resistência materiais sobre os indivíduos, por isso passou a ser a parte flexível da ligação tempo-espaço. Ele é o elemento que pode ser manipulado, rompido e encurtado. A estagnação da relação entre os elementos espaço e tempo foi estraçalhada na modernidade líquida e passou a ser tida como algo dinâmico, processual. O espaço conseguiu ser conquistado por meio de máquinas mais velozes (informacionais ou mecânicas), que encurtavam o tempo necessário para produção de armas, de movimentação ou comunicação. É o que Bauman chama de era do hardware.

Para se conquistar o espaço, era necessário um templo flexível, mas os espaços conquistados precisavam ser administrados. O controle do espaço pedia um tempo diferente, rígido, de preferência lento, para que assim pudesse ser possuído. A velocidade tinha que ser calculada no controle espacial para que cada atividade e cada efeito tivesse um horário específico, nem mais, nem menos.

Isso implica em um tempo rotinizado, que faz do trabalho algo preso ao solo (deixando o capital em sua forma industrial). As batalhas entre trabalhadores e capitalistas nem mesmo era concebida sob uma possibilidade de desenlace tamanho com o solo, com as máquinas, com a fábrica. No entanto, é na passagem da era do hardware para o capitalismo de software, da modernidade “leve”, que a fixidez territorial perdeu seu sentido tradicional, começando pelas próprias carreiras, que deixaram de existir na prática. A expectativa de trabalhar por toda a vida na mesma empresa já não é mais possível.

Para além disso, a percepção do tempo se modificou quando o advento da eletrônica, que fez a informações percorrer distâncias quilométricas em segundos, instantaneamente, fazendo do tempo algo irrelevante para a realização do evento (a comunicação através de celulares não considera o tempo como resistência ou entrave para sua realização, por exemplo). O tempo não confere valor ao espaço, pois não é mais parte integrante das variáveis a se colocar nos cálculos e estratégias sobre os espaços.

Na medida em que não confere valor ao espaço, o tempo é instantâneo. Ele não usa a referência espacial para mostrar seus limites ou seus desafios, mas o espaço é a demonstração da dominação do tempo. O instantâneo, por sua vez, é imprevisível, e a previsibilidade é um dos fatores de dominação, diz Bauman se utilizando do trabalho de Michel Crozier. A dominação acontece com proximidade às fontes de incerteza. A incerteza, por sua vez, existe sobre aqueles que são controlados mas que não podem estabelecer nenhum controle, ou seja, os dominados. Os indivíduos dominados não conseguem ter liberdade para se mover rapidamente pelos espaços, não aproveitam a instantaneidade do tempo, mas são presos às suas limitações tecnológicas, às suas pobrezas. Justamente a falta de liberdade dos dominados que permite a existência da liberdade para os dominantes, pois é a previsibilidade de seus atos que permite o controle dominador, portanto, que permite ataques surpresas, ações imprevisíveis, geração de incerteza.

A dominação, sendo assim, funciona corretamente quando é fácil o desengajamento, a mudança, a velocidade, quando a ação dominante acompanha a instantaneidade. A dominação está na possibilidade de sempre se mudar sem prestar contas, de evitar conflitos, contatos, de se flexibilizar. A administração empresarial moderna sempre gostou de grandes locais fixos em territórios específicos para exercer seu poder, contando com centenas de empregados a serem controlados, entretanto, o caminho atual é inverso, a administração empresarial pede o afastamento da mão-de-obra humana, os processos de downsizing, as reestruturações de departamentos, são meios cíclicos de diminuir o número de empregados, diminuir a moral dos empregados restante, os colocando sob regime de medo e controlando seus movimentos.

O empresário ideal do capitalismo leve e incerto é materializado em Bill Gates, que “tinha o cuidado em não desenvolver apego (e especialmente apego sentimental) ou compromisso duradouro com nada, inclusive suas próprias criações. Não tinha medo de tomar o caminho errado, pois nenhum caminho o manteria na mesma direção por muito tempo e porque voltar atrás ou para o outro lado eram opções constante e instantaneamente disponíveis”[9].

Enquanto isso, seus empregados tinham todo medo do mundo em perderem seus empregos devido aos caprichos de Gates. Mas o empresário ideal fazia exatamente aquilo que a racionalidade capitalista impõe: buscar as gratificações evitando as consequências, conseguir o lucro evitando o embate com os empregados. É isso que a instantaneidade trás, a ainda inexplicável e não mapeada indiferença da moralidade em relação às consequências de seus atos. A atualidade esquece sua memória do passado e não vê nenhuma história no futuro, só vive o presente, talvez por isso seja indiferente aos efeitos que cada ação causa.

Referências

[1] BOSELEY, Sarah. Warning of Fake Stalking Claims IN BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 109.

[2] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 110.

[3] Richard Sennett, The Fall of the Public Man: On the Social Psychology of
Capitalism IN BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 111.

[4] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 113.

[5] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 118.

[6] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 118.

[7] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 124.

[8] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 125.

[9] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 144.

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