Da série “Imperialismo em Lenin“.
O capitalismo monopolista teve seu apogeu com a dominação dos bancos sobre os negócios da indústria. A transferência do capital bancário destinado ao empreendimento industriais, ou seja, a fusão de ambos os capitais, é denominada de capital financeiro.
O excedente de capital nos países com alto desenvolvimento financeiro os levou a exportar seus capitais em forma de investimento em industria estrangeira e empréstimo. Evidentemente, a oligarquia financeira foi a camada privilegiada pela aplicação do capital no estrangeiro e, mais que isso, também foi a camada responsável por partilhar os territórios do mundo à exploração capitalista.
Lenin exemplifica a partilha do mundo entre os grupos monopolistas através de uma análise sobre a indústria elétrica[1]: um setor com grande desenvolvimento principalmente nos Estados Unidos da América e na Alemanha. No último, a crise de 1900 foi a oportunidade para os bancos acelerarem a incorporação das pequenas empresas pelas grandes, negando apoio financeiro e abrindo caminho para o avanço dos monopólios.
Em 1900, a indústria elétrica era composta por cerca de 7-8 grupos monopolistas controlando 28 sociedades sob o suporte (cada grupo) de 2 a 11 bancos. No período de 1908-1912, todos os grupos se fundiram em um ou dois, conforme esquema abaixo:
O agressivo monopólio é visto através da influência da AEG através do esquema de participação:
A famosa AEG (Sociedade Geral de Eletricidade), assim desenvolvida, exerce o seu domínio sobre 175 ou 200 sociedades (através do sistema de “participação”) e dispõe de um capital total de cerca de 1500 milhões de marcos. Só no estrangeiro conta com 34 representações diretas, 12 das quais são sociedades anônimas estabelecidas em mais de dez países. já em 1904 calculava-se que os capitais investidos pela indústria elétrica alemã no estrangeiro ascendiam a 233 milhões de marcos, dos quais 62 milhões na Rússia.[2]
A AEG também é um empresa do tipo combinada, que produz aquilo que é necessário ao longo do processo produtivo de sua atividade-fim.
Nos Estados Unidos, por sua vez, há o desenvolvimento da indústria nacional em relação com o mercado europeu, como pode ser visto no esquema abaixo:
Neste contexto, é difícil encontrar uma empresa do setor que não seja ligada aos dois monopolistas acima destacados.
E eis que em 1907, entre o trust americano e o trust alemão se estabeleceu um acordo para a partilha do mundo. Foi suprimida a concorrência: a GEC “recebeu”os Estados Unidos e o Canadá; à AEG “couberam”a Alemanha, a Áustria, a Rússia, a Holanda, a Dinamarca, a Suíça, a Turquia e os Balcãs.[3]
Ambos os grupos firmaram acordos sobre os novos países que mais tarde entrariam na partilha e compartilharam inovações e experiências. Este modelo de partilha entrou em cena também para a indústria do petróleo: em ambos os casos, bancos públicos e privados interviram nas indústrias e o Estado sempre foi considerado um porto seguro para negócios arriscados.
Na época do capital financeiro, os monopólios de Estado e os privados se entrelaçam, formando um todo, e como tanto uns como outros não são na realidade mais do que diferentes elos da luta imperialista travada pelos maiores monopolistas pela partilha do mundo.[4]
O monopólio dos carris-de-ferro exemplificam este tipo de partilha. Quando foi formado, em 1904, era divido na proporção seguinte:
- 53,50% à Inglaterra;
- 28,83% à Alemanha;
- 17,67% à Bélgica.
Além dessa divisão do total, a França foi incluída com 4,8%, 5,8% e 6,4% nos três anos seguintes da participação. O Sindicato Internacional do Zinco, de 1909, também trabalhou com divisão proporcional entre cinco países: Alemanha, Bélgica, França, Espanha e Inglaterra. O Truste da pólvora, que uniu empresas alemãs, estadunidenses e francesas também dominou o setor num nível mundial.
Entretanto, para além da estrutura econômica, a partilha do mundo afetou a esfera política, na medida em que colocava os interesses de empresas e Estados-nação em jogo:
A época do capitalismo contemporâneo mostra-nos que se estão a estabelecer determinadas relações entre os grupos capitalistas com base na partilha econômica do mundo, e que, ao mesmo tempo, em ligação com isto, se estão a estabelecer entre os grupos políticos, entre os Estados, determinadas relações com base na partilha territorial do mundo, na luta pelas colônias, na “luta pelo território econômico”.[5]
Os Estados com capitalismo avançado também são aqueles com mais territórios estrangeiros, como é possível ver na tabela abaixo, do geógrafo austríaco Alexander Supan:
Ásia e América, no período, já estavam completamente ocupadas, ou seja, todas as terras eram pertencentes a um Estado, mas África e a Polinésia podiam ser novos alvos e passaram a fazer parte dos planos das grandes potências da Europa e dos Estados Unidos da América. “O traço característico do período que nos ocupa é a partilha definitiva do planeta”[6], afirma Lenin. A partilha definitiva é a ocupação de todos os territórios do globo terrestre por algum Estado, assim, o desaparecimento de territórios “sem proprietário”.
A tabela abaixo mostra como as terras coloniais eram repartidas entre as grandes potências europeias. É possível notar que a Inglaterra aumentou suas posses coloniais dos anos 60 até os anos 90 do século XIX. Já o capitalismo pré-monopolista, com forte predominância da concorrência, teve seu auge nos anos 60 do mesmo século: a partir dos anos 70, a luta pela partilha do mundo se acirra, em conjunto com o avanço do capital financeiro.
Hobson [John Atkinson Hobson, economista inglês] destaca no seu livro sobre o imperialismo os anos que vão de 1884 a 1900 como um período de intensa “expansão”(aumento territorial) dos principais Estados europeus. Segundo os seus cálculos, a Inglaterra adquiriu durante esse período 3.700.000 milhas quadradas com uma população de 57 milhões de habitantes; a França, 3.600.000 milhas quadradas com 36,5 milhões de habitantes; a Alemanha, 1.000.000 de milhas quadradas com 14,7 milhões de habitantes; a Bélgica, 900.000 milhas quadradas com 30 milhões de habitantes; Portugal, 8.000.000 milhas quadradas com 9 milhões de habitantes.[7]
No fim do século XIX, os países imperialistas se esforçaram para anexar diversas colônias pelo mundo.
Sobre as grandes potências mundiais, é interessante dizer que a política colonial e o imperialismo não foram uma novidade do século XIX, pois já existiam antes mesmo do capitalismo predominar na Europa: um exemplo é Roma e sua formação social baseada na escravatura. “A particularidade fundamental do capitalismo moderno consiste na dominação exercida pelas associações monopolistas dos grandes patrões”[8], afirma Lenin.
Quando as associações monopolistas consegue reunir as fontes de matérias-primas disponíveis, adquirem máxima solidez e dominância: “Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias”[9].
O capitalismo financeiro do século XX é um capitalismo de expansão, na medida em que novas terras são importantes à metrópole para que aumente suas posses de matérias-primas potenciais e territórios de exploração de minérios, “daí a tendência inevitável do capital financeiro para ampliar o seu território econômico e até o seu território em geral”[10]. Quanto mais terras anexadas, menos terras ficam disponíveis às grandes potências concorrentes. Esta tendência é suportada também por uma superestrutura extra-econômica com base na política e na ideologia. Escritores da época, ideólogos, afirmam que a política imperialista deve ser alinhada com a ordem social e a necessidade de acalmar as camadas operárias e médias as empregando fora do país, esvaziando o território de futuros rebeldes.
O imperialismo também afeta as esferas política, econômica e ideológica dos países dependentes e colônias. Na América do Sul, a Argentina chegou a ter mais de 8750 milhões de francos investidos pela Inglaterra, de tal maneira que isso assegura boas relações do capital financeiro inglês com a burguesia da Argentina e os círculos que guiam toda a vida econômica e política do país.
Considerações finais
O capitalismo monopolista se desenvolve em conjunto com a expansão colonialista das grandes potências da Europa. Este desenvolvimento é de ajuda mútua, já que é interessante aos monopólios ter mais território livre para explorar e disponibilizar menos território para as grandes potências concorrentes.
Ao mesmo tempo, a partilha do mundo feita pelo capitalismo de fase monopolista (o capitalismo financeiro) tem como tendência a ocupação de todo o mundo, a invasão de todos os territórios livres, de maneira que o globo seja tomado pela pelas grandes potências, que terão como responsabilidade dominar territórios com desenvolvimento relativamente atrasado do capitalismo se comparado com o capital financeiro das grande potências europeias.
Referências
[1] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 4, n. 1, jun. 2012, p. 180.
[2] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.181.
[3] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.182.
[4] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.184.
[5] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.185.
[6] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.186.
[7] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.187.
[8] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.190.
[9] LENINE, Vladimir. O Imperialismo: Fase Superior do Capitalismo… p.190.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.