O intradiscurso para Jean-Jacques Courtine – DROPS #70

COURTINE, Jean-Jacques. Análise do discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos. São Paulo: EdUFSCAR, 2009, p. 87-89.

1.2 O nível da formulação: descrição do intradiscurso de uma sequência discursiva

Grafaremos [e] uma formulação, isto é, uma sequência linguística (de dimensão sintagmática inferior, igual ou superior a uma frase) que é uma reformulação possível de [E][1] no seio de R[e][2] e que vem marcar a presença de [E] no intradiscurso de uma sequência discursiva dominada por uma FD [formação discursiva][3], na qual [E] é um elemento do saber.

O intradiscurso de uma sequência discursiva aparece assim como o lugar onde se realiza a sequencialização dos elementos do saber, onde o desnivelamento interdiscursivo dos [E] está linearizado, colocado em uma superfície única de [e] articuladas. Essa “horizontalização” da dimensão vertical de constituição de [E] é contemporânea da apropriação por um sujeito enunciador (grafado S), ocupando um lugar determinado no seio de uma FD, dos elementos do saber da FD na enunciação do intradiscurso de uma sequência discursiva, isso em uma situação de enunciação dada.

Esse nível de descrição é aquele ao qual habitualmente no referimos pelas noções de “fio do discurso”, “coerência textual”, “estratégias argumentativas”…, e que suscita análises em termos de correferência, tematização e progressão temática, inferências pressuposicionais, conexões intergrásticas, etc. Acrescentaremos que se trata, para nós, do lugar onde se manifesta o imaginário no discursivo, isto é, onde o sujeito enunciador é produzido na enunciação como interiorização da exterioridade do enunciável.

1.3 Discurso, efeitos discursivos e condições de produção do discurso

A distinção operada entre o nível do enunciado e nível da formulação acarrea as seguintes consequências:

a) No que diz respeito aos termos de discurso e de sujeito, para começar, é preciso dizer que eles denotam para nós não objetos dados a priori, mas objetos a serem construídos: somente nos autorizaremos a falar de discurso ao término da articulação do plano do interdiscurso e daquele do intradiscurso; toda caracterização em termos de funcionamentos ou de efeitos discursivos envolve assim uma relação do enunciado com a formulação, da dimensão vertical e estratificada onde se elabora o saber de uma FD com a dimensão horizontal em que os elementos desse saber se linearizam tornando-se objetos de enunciação.

O mesmo acontece ao sujeito: se não há, na perspectiva que adotamos, nenhum “sujeito do discurso”, se percebe, em compensação, no interior de uma FD, diferentes posições de sujeito que constituem modalidades da relação do sujeito universal com o sujeito de enunciação (SU/S), do sujeito do enunciado com o sujeito da formulação. Chamar-se-á domínio da forma-sujeito o domínio de descrição da produção do sujeito como efeito no discurso; isso equivale descrever o conjunto das diferentes posições de sujeito em uma FD como modalidades particulares da identificação do sujeito da enunciação com o sujeito do saber e com os efeitos discursivos específicos que estão ligados a ele.

b) No que diz respeito à noção de condições de produção do discurso, convirá propor sua redefinição dissociando-a segundo os dois níveis distinguidos anteriormente: ela opera, de fato, uma confusão das determinações específicas aos dois planos de descrição. Será preciso, enfim, tirar as conclusões dessa redefinição quanto à constituição de um corpus discursivo que materializa, sob a forma de uma montagem determinada, as exigências teóricas do conceito de FD.

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Notas

[1] Enunciado.

[2] Rede de formulações.

[3] adição minha ao texto original.

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