Índice
Introdução
Segundo o dicionário Michaelis On-line:
exaurir
e·xau·rir
Verbo transitivo direto e verbo pronomial1. Esgotar(-se) completamente: despejar(-se) até a última gota.
Numa comunicação bem-sucedida, não só é relevante inserir informações pertinentes acerca do assunto que se comunica: falar o que vale à pena ser dito está relacionado ao pertinente, ao que cabe em um campo de razoabilidade de coisas ditas que pode se encaixar num contexto específico, mas também à novidade, ou seja, à adição de informações para que, em seu decorrer, a comunicação não fique vazia.
Uma comunicação bem sucedida consegue de desenvolver ao longo de um período de tempo e esta prática é impossível sem a adição de novas informações. Falar para não dizer nada é como falar para si um discurso sem nexo: o destinatário rapidamente entenderá que não se trata de um parceiro legítimo para a troca verbal e a situação não será conduzida com sucesso.
Mas o limite inverso também é verdadeiro: se o nada é rejeitado, o excesso também. A lei da pertinência e a lei da informatividade delimitam traços da comunicação verbal, elas ainda se aliam à lei de exaustividade. Desta forma, mesmo quando o dito é adequado ao assunto, quando insere de fato novas informações, ainda se deve observar que a introdução de novas informações acontece sob um critério de esforço em enunciar o máximo adequado, como se o dito tivesse a responsabilidade de representar a realidade em seus pontos essenciais.
O objetivo deste artigo é discorrer sobre a lei da exaustividade conforme entendida por Dominique Maingueneau em Análise de textos de comunicação.
Até o limite
A lei da exaustividade tem uma função específica:
Ela especifica que o enunciador deve dar a informação máxima, considerando-se a situação. Quando se lê em um artigo de jornal “Sete reféns foram libertados na embaixada do Japão”, supõe-se que o enunciado deu a informação máxima, isto é, que sete reféns ao todo foram libertados. Com efeito, de um ponto de vista estritamente lógico, dizer que cinco reféns foram libertados não seria falso.[1]
A lei, que deve ser entendida como todas as outras enquanto elemento constitutivo da prática discursiva, não define o verdadeiro e o falso, não define o lógico. Não se trata de uma lei da razão, mas de uma lei de preenchimento: a soma das leis já comentadas (informatividade e pertinência) com a lei da sinceridade, por sua vez, inserem a necessidade de uma comunicação preenchida com os signos que são relevantes para o que está a ser comunicado. A comunicação acontece com sucesso quando os signos presentes na própria prática ou pertinentes ao gênero discursivo preenchem o que é dito.
No exemplo acima utilizado por Maingueneau: dizer que cinco reféns foram libertados seria verdadeiro, mas não se trata de falar algo correto. Trata-se de falar algo pertinente, pois é irrelevante saber quantos reféns foram libertados se a informação não corresponde ao número total; trata-se de falar algo informativo, ou seja, a publicação da notícia sobre a libertação dos reféns deve acontecer rapidamente após o acontecimento, pois falar que sete reféns foram libertados de uma ocorrência de três meses já não contém o mesmo senso de urgência; trata-se de falar algo sincero: se o locutor fala com sinceridade, pressupõe-se que o que está dizendo é justamente aquilo que se precisa saber para firmar a relação de comunicação verbal. Por fim, trata-se de dizer o máximo adequado, pois o máximo adequado é justamente a condição para um discurso que enseja trocas francas, que se sustentam ao longo do tempo ou conseguem atingir seu fim. Assim,
A lei da exaustividade exige também que não se esconda uma informação importante. Seria esse o caso se um jornal publicasse a manchete “Um grupo de jovens agride um homem” e se o homem em questão fosse um “policial fardado”. Em contrapartida, se o título fosse “Um grupo de jovens agride um policial loiro de setenta e sete quilos”, a lei da exaustividade seria igualmente transgredida por excesso de informação. Mas pode-se imaginar que haja circunstâncias em que um título desse tipo não seria insólito: a informatividade depende da pertinência.[2]
A informação de que se trata de um policial agredido é relevante por si só: como um agente autorizado a utilizar a violência monopolizada pelo Estado conseguiu ser agredido por um grupo de jovens? Se este policial é retratado somente como “um homem”, já não existe este conjunto de signos que transita entre a representação da surpresa e da curiosidade, talvez da indignação.
Se, num guia turístico do Brasil, lê-se “O Rio está localizado a uma certa distância da Bahia”, sem maiores precisões, pode-se considerar que a lei de informatividade foi transgredida, relativamente ao contrato imposto a esse tipo de livro, que visa fornecer informações práticas.[3]
Pois, evidentemente, a informação de que há uma certa distância é óbvia e sem qualquer informatividade. Não há informações novas e por isso mesmo não há informações em exaustão.
O destinatário
Em seu Diccionario de análisis del discurso, Charaudeau e Maingueneau inserem a figura do destinatário com mais destaque, pois a lei da exaustividade – com citações à Oswald Ducrot – seria aquela
que <<exige que el locutor dé las informaciones más fuertes que posee sobre el tema del que habla y que son susceptibles de interesar al destinatario>>: “Algunos capítulos de este líbro son interesantes – ley de exhaustividad → algunos capítulos no lo son”.[5]
Ou seja, na situação a ser considerada para a exaustividade, como dito por Maingueneau na primeira citação deste artigo, o destinatário é um dos elementos e seu interesse (ou sua atenção) são fatores de pertinência a serem considerados. No jogo presente na formação imaginária durante a prática discursiva, o outro é considerado como detentor de conhecimentos e interesses específicos que o colocam como parceiro legítimo para um tipo de comunicação.
O enunciado que não apresenta informações à exaustão não fornece condições para que o outro seja introduzido na comunicação, na medida em que sua introdução na atividade de prática verbal só acontece quando os signos disponíveis e informados são suficientes para que se abra um caminho possível de atualização e percepção do gênero do discurso, da cena enunciativa, para que se possa identificar intuitivamente a própria dêixis discursiva e para que se possa se situar na conversa enquanto o outro de um eu e um eu perante um outro. Entretanto, ambos eu e outro interpelados pela mesma formação discursiva, desta forma, sujeitos de discurso(s) passível(veis) de comunicação razoável independentemente de como ela se dê.
Considerações finais
Entende-se a lei da exaustividade como o esforço em inserir todas as informações relevantes para o assunto em foco numa prática discursiva. Desta forma, a lei também traduz o esforço do destinatário que, em seu gesto de leitura, considerará que as informações exibidas são justamente aquelas que informam plenamente o necessário para a continuação da comunicação.
Assim como as outras leis, trata-se da observação de uma dinâmica prática, empírica, desta forma, do entendimento de que seu efeito é constitutivo, não meramente normativo.
Referências
[1] MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2004, p. 36.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Leyes del discurso IN Diccionario de análisis del discurso. 1. ed. Buenos Aires: Amorrortu, 2005. As aspas presentes na citação são de DUCROT, O. Dire et ne pas dire. Principes de sémantique linguistique.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.