Da série “Fascismo“.
Nicos Poulantzas compreende que, após a Rússia, Alemanha e Itália eram os elos mais fracos do imperialismo. A Rússia deu vazão para a revolução comunista a partir de sua fraqueza, já Alemanha e Itália foram os países de emergência do fascismo no governo.
Alemanha e Itália não eram fracas economicamente, eram elos fracos do imperialismo num conjunto de relações que passa pela economia, política e ideologia. O imperialismo em Poulantzas ultrapassa a esfera econômica e não a utiliza como termômetro único para entender a ascensão do fascismo.
É possível compreender isso através da análise do momento histórico alemão pré-fascista: para Poulantzas, a Alemanha iniciou forte desenvolvimento econômico através de sua tardia industrialização e, no início do século XX, já podia ser considerada um país imperialista. Para além da industrialização, a concentração de poder através do capital-dinheiro nas mãos dos bancos é evidenciada pelo estudo de Lenin sobre o imperialismo. No início do século, tanto a indústria como os bancos alemães estavam em sua fase monopolista.
A fusão do capital bancário e daquela parte do capital industrial que tem já um carácter de monopólio inicia-se no princípio do século XX originando, nos grandes trusts e Konzern, o capital financeiro […] Ela é, enfim, nesta altura, a seguir à França, o país cujo capital monopolizador participa em maior número de cartéis internacionais.[1]
No entanto, afirma Poulantzas, as feridas da construção do capitalismo alemão começaram a se mostrar logo em seguida. Não foi a Segunda Guerra Mundial responsável por isso: depois da guerra, em 1927, o volume de produção industrial alcançou seu pico no período anterior à guerra, já em 1928, cresceu cerca de 15% e, em conjunto com o progresso técnico, os índices de produtividade alcançaram os Estados Unidos da América. “O processo de concentração do capital e de constituição do capital financeiro acelera-se”[2].
A situação onerosa pós-Primeira Guerra Mundial, que colocou a Alemanha de país credor para devedor ao estrangeiro, contribuiu para o estouro da crise de 1929, a partir de uma situação permanentemente inflacionária e para o endividamento da indústria nacional com o estrangeiro, transformando o país de exportador de capital em importador, no entanto, tal situação foi uma adição às dificuldades inerentes ao desenvolvimento do capitalismo na Alemanha.
Estas dificuldades se originaram principalmente na transição concreta do feudalismo para o capitalismo via revolução democrática burguesa, que não foi uma revolução de fato. Primeiramente, foi tardia e, além disso, não se realizou sob a hegemonia da burguesia, que tinha medo do proletariado existente e deixou nas mãos do chanceler Otto von Bismarck, num movimento do topo para a base (e não da base para o topo, como são as revoluções), a partir de alianças da burguesia com a nobreza rural e grandes proprietários de terras da Prússia, verdadeiros decisores dentro deste conchavo.
Todo processo de transição do feudalismo para o capitalismo foi marcado pela persistência de formas do tipo feudal no interior do aparelho de Estado e por um atraso na realização da unidade nacional.
Unidade nacional significa, no quadro da revolução democrático-burguesa, <<unidade económica>> de uma formação social, entendendo-se, contudo, que esta unidade económica, enquanto nacional, é sobredeterminada por toda uma série de dados políticos – forma de Estado burguês – e ideológicos – ideologia política burguesa; o que, e em larga medida, faltou na Alemanha.[3]
Esta unidade não estava realizada nem nas vésperas da emergência do nazismo. Diversos territórios gozavam de estatuto jurídico e administrativo particular, dispondo de aparelhos do Estado com autonomia. Assim, é impossível pensar em uma unidade econômica seguida de uma forma de Estado burguesa forte e uma coerente ideologia política burguesa reproduzida pelos aparelhos ideológicos de Estado.
Assim, dois reflexos na estrutura econômica foram vistos no período pré-nazismo da Alemanha:
- Um externo, relacionado diretamente com a fraqueza imperialista alemã em não chegar a tempo na partilha do mundo e ter posse de colônias sem serventia como mercado comercial ou destino de exportação de capitais.
- Um interno, importante para o nazismo, relacionado às desigualdades de desenvolvimento que tendiam a crescer ao longo do processo de fascização. Como os grandes agrários detinham papel importante na política alemã, a hegemonia do modo de produção capitalista nesta formação social específica se deu através de embates entre os setores agrícola e industrial. No fim, o setor industrial guiou o desenvolvimento econômico do país, deixando o setor agrícola jogado às sequelas do modo de produção feudal. Após a guerra, esta desigualdade se aprofundou e, em 1929, a produção agrícola atingiu somente 3/4 daquilo que produziu em 1913, o que provocou uma compressão no mercado interno alemão traduzida em elevadas taxas de desemprego e agravada pela ausência de mercado externo.
Neste tipo de revolução do topo para a base:
O papel do Estado – que, sob Bismarck, de algum modo dirigiu o processo – foi decisivo. Este papel manifestou-se nas funções económicas muito importantes, e nas sistemáticas intervenções do Estado na economia, durante todo o processo do capitalismo na Alemanha.[4]
Já o Estado Alemão não foi comandado por um grupo homogêneo. Os limites de ação do Estado são os limites do poder de Estado e, dentro das classes inseridas nas alianças deste poder, os grandes agrários trabalharam um lugar com grande influência. Eles mantinham certo poder por razões políticas e ideológicas e detinham para si o Reichswehr, as forças armadas alemãs. Assim, uma classe com certa distinção, apesar de pequeno poder econômico, detinha controle de um grande aparelho de Estado.
Considerações finais
A Alemanha foi um elo fraco do imperialismo devido à conturbada “revolução” democrática que manteve poder nas mãos do capital agrário. Estes, 1) causaram fraqueza política na medida em que tinham grande influência no bloco no poder, 2) causaram fraqueza ideológica pois ainda tinham dominância na ideologia vigente, com resquícios fortes do período feudal e 3) foram os grandes perdedores econômicos no desenvolvimento acelerado da indústria.
Desta forma, a Alemanha não era somente fraca na economia (não era tão fraca nesta esfera, inclusive), mas também na própria constituição de sua sociedade burguesa através de uma revolução controlada pelo Estado aristocrata.
Referências
[1] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1. São Paulo: Martins Fontes. 1ª Ed, 1978, p.25.
[2] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.25.
[3] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.26 – 27.
[4] POULANTZAS, Nicos. Fascismo e Ditadura Volume 1… p.30.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.