“Eu a perdoo”, ou o dia em que Daniel Alves cumprimentou Robinho

Sim, Daniel Alves “perdoou” sua vítima de estupro.

Segundo o jogador, ele só deveria pedir desculpas à sua esposa, Joana Sanz. Desculpas pela traição, ou seja, pelo ato que abriu caminho para uma possível dissolução do matrimônio.


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Aqui, relaciono diretamente o pedido de desculpas de Daniel Alves ao movimento discursivo estabelecido a partir dos áudios de Robinho com seus comparsas ao falarem acerca da vítima de estupro coletivo cometido por eles em Milão. Abordei em minha última coluna este movimento de inversão da posição de Robinho: em vez de criminoso, de acusado legítimo, se transforma em vítima.

Vou reproduzir as duas falas de Daniel Alves que me fazem relacioná-las à conversa de Robinho.

Fala 1:

Eu a perdoo. Ainda não sei por que ela (a vítima) fez tudo isso, mas a perdoo. E queria pedir desculpa à única pessoa a quem tenho que pedir desculpa, que é a minha mulher, Joana Sanz. A mulher com quem me casei há oito anos, ainda sou casado e espero viver com ela por toda a minha vida.

Fala 2:

Resolvi dar esta entrevista para que as pessoas saibam o que penso. Que conheçam a história pelo que vivi naquela manhã naquele banheiro. Até agora, uma história muito assustadora de medo e terror foi contada, que não tem nada a ver com o que aconteceu, nem com o que eu fiz. Tudo o que aconteceu e não aconteceu lá dentro só ela e eu sabemos.

Esta inversão é clássica: Daniel Alves se coloca como uma vítima de alguma trapaça, ou seja, de acusado legítimo, se transforma em acusado ilegítimo. Ao mesmo tempo, a ilegitimidade de sua acusação é inserida no campo da moralidade: somente ele e sua vítima seriam aptos a saber o que realmente aconteceu, o que nos leva a entender que nem mesmo o aparelho jurídico é capaz de compreender se de fato houve um estupro.

Esta inversão, retomo aqui a conclusão da minha coluna anterior, simboliza o próprio discurso machista atravessando o sujeito Daniel Alves: a inversão é parte do estupro. A possibilidade do estupro se dá através justamente da possibilidade de inversão, independentemente da esfera moral.

Eu diria o seguinte: a esfera moral se configura através desta inversão. É possível clamar pela moralidade justamente porque o jogo que permite um estupro “com justificativa” é o jogo da escolha. As declarações de Daniel Alves colocam em foco 1) a suposta escolha da vítima em participar do ato sexual e 2) a suposta escolha da vítima em denunciar falsamente.

Aqui, retorno aos áudio dos comparsas de Robinho: “Se ela tava lá é porque ela quis, independe de estar bêbada ou não”.

Novamente, aqui é possível compreender como a escolha é o elemento que vaticina o ato do estupro, mas esta escolha tem como cenário um estuprador protagonista: Daniel Alves é aquele que pode perdoar, é a vítima, é aquele que pode dizer onde a verdade está e é aquele que se mostra como sujeito exemplar. Percebam, o discurso machista também atravessa outros sujeitos além dos participantes diretos no crime: a mídia não coloca a mulher como protagonista, nem seus advogados, nem uma representante de movimento feminista, nada. O protagonista é Daniel Alves, seja como culpado ou inocente.

Não há muitas informações sobre a vítima, da mesma forma, não há muitas informações sobre assédios, nem de forma geral. Essa falta de informações corrobora a própria maneira como o estupro é compreendido, significado e, de certa forma, enunciado: o protagonista é o homem. O homem não deixa de ser o protagonista e, quando se trata de um homem midiático, não só é o protagonista como é aquele que pode e consegue expressar suas opiniões pessoais. E isso é importante: ao longo desta coluna e da coluna anterior acerca do caso Robinho, não estou falando sobre opiniões de jogadores e seus comparsas, muito menos da opinião de um jornalista ou outro que decide entrevistar Daniel Alves em vez de entrevistar líderes de movimentos feministas. Estou falando sobre a própria forma dos enunciados, estou falando sobre os enunciados possíveis de serem ditos num caso como este.

A moralização parece ser a própria possibilidade de discussão, enquanto que a relação de poder é escondida como se não existisse. O discurso é escondido como se não existisse. A questão não passa pela própria forma como o estupro se desenrola, antes e depois do ato propriamente, mas passa pelas versões dos indivíduos envolvidos.

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