Japão, elo surpresa da cadeia imperialista – Fascismo

O presente artigo retrata o nascimento do fascismo no Japão através das investidas ocorridas principalmente na década de 30, culminando no estabelecimento do sistema de partido único em 1940. Antes disso, os grupos fascistas promoveram golpes de Estado fracassados, assassinatos de figuras públicas e terror midiático contra um suposto inimigo comunista para, por fim, militarizar a sociedade japonesa e centralizar o poder num Estado forte com base de decisões ancoradas no exército.

Da série “Fascismo“.

Fascismo japonês
Encontro entre nacionalistas japoneses, fascistas italianos e nazistas alemães na década de 30.

Neste artigo, abordaremos a formação e características do fascismo no Japão, tomando como base a dissertação A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940 de Nádia Saito[1]. Longe de fornecer uma visão total sobre o período do fascismo no país, seguiremos com apontamentos sobre seus elementos principais.

Assim, é necessário destacar que o fascismo no Japão precisa de uma explicação própria, que consiga compreender seus antecedentes históricos dentro do contexto do país, o que torna inviável uma mera comparação com os regimes da Itália e Alemanha.

Mesmo assim, há características comuns dos regimes fascistas: seguem um padrão conservador e reacionário sob um manto revolucionário e modernizante (o nascimento do fascismo na Itália, por exemplo, contou com a presença de intelectuais futuristas, donos da afirmação: “um carro de corrida é mais belo que a Vitória de Samotrácia”[2], resultado da união da violência pretensamente revolucionária com a tecnologia) que, no fim, é justificado pelo aparente avanço tecnológico em função da guerra causada pelo capital nos países imperialistas em busca de terras novas para exploração de matérias-primas e território consumidor. Ou seja, uma contrarrevolução com aparência de revolução:

Essa contrarrevolução apresenta-se como o último recurso do sistema capitalista sob uma nova forma política.

O aspecto revolucionário não é senão a negação à ameaça ao sistema.[3]

Em cada caso nacional, a contrarrevolução fascista toma delineamentos diferentes e, aqui, voltamos ao argumento do início do artigo: o arcabouço geral do conceito de fascismo aplicado à experiência japonesa é suplementado pelo contexto próprio do país e do continente no período analisado.

Japão como potência imperialista

Após 1868, na Restauração Meiji, até a Primeira Guerra Mundial, o Japão se tornou uma potência imperialista com territórios onde hoje se encontram China, Russia, Coréia do Sul e Coréia do Norte. A tarefa do imperador Mutsuhito foi romper com as diretrizes ultraconservadores de seu pai, Imperador Komei, e modernizar o país, restaurando o poder político imperial e “promulgando um sistema monárquico constitucional que respeitasse a legislação internacional em vigor”[4]. O principal estrato de classe nesta reformulação da política-econômica do Japão foram os daymios, antigos senhores feudais submetidos às determinações dos senhores samurais no período anterior, Tokugawa, sob a liderança do xogunato (forma de administração do país com poder centralizado em xoguns, líderes militares).

O período Meiji inaugurou uma ordem que centralizava o poder no Imperador na medida em que ele representava o Estado japonês, a nação japonesa (portanto, havia aí um impulso nacionalista) e um tipo de esclarecimento modernizador que avançava a transformação do aparelho de Estado de um tipo feudal para o aparelho tipicamente capitalista aberto ao nascimento das classes burguesas. Vale dizer que essa passagem, da hegemonia feudal para a hegemonia burguesa, não se concretizou:

Senhores feudais e comerciantes tinham mais influência na Restauração Meiji do que antes. Uma divisão do trabalho foi sendo gradativamente implantada, os samurais aproximaram-se cada vez mais dos proprietários de terras ou se voltaram para o comércio urbano, enquanto os camponeses foram se tornando mais dependentes da produção para o proprietário da terra, submetendo-se a uma hierarquização atualizada.[5]

Na economia, os cartéis (chamados de zaibatsus) foram estimulados a dominar o capital industrial e a nova burocracia instalada no aparelho de Estado, já os camponeses foram soterrados por impostos para dar suporte ao crescimento da arquitetura industrial japonesa e ao desenvolvimento de uma economia propriamente urbana.

Os camponeses pagam o imposto, mas a comercialização da produção agrícola, estimulada pelo fato de que agora o imposto é pago em dinheiro, somente enriquece aos proprietários rurais (jinushi) e aos comerciantes de arroz; os pequenos fazendeiros (kosaku) continuam a viver miseravelmente. A base social da produção agrícola permanece ainda bastante pré-capitalista, inserida no quadro das pequeninas explorações individuais. Três quartos das evicções [atos judiciais de desapropriação de um bem adquirido] de camponeses, nessa época, devem-se ao não pagamento dos impostos. O fenômeno demonstra que foi o campesinato que suportou o peso desse edifício aparentemente prestigioso que é o Japão da Era Meiji.[6]

Os valores pré-modernos, como a lealdade ao grupo, laços familiares e ética confuciana, passaram a conviver com valores modernos advindos do desenvolvimento do capitalismo no Japão e a organização social se configurou num espaço compartilhado entre feudos, indústrias e comércios.

O império colonial japonês se consolidou na Era Taisho, após a Primeira Grande Guerra, com o avanço da expansão dos territórios internacionais e o uso das colônias para abastecimento de matérias-primas. O Estado imperialista, sob o capitalismo monopolista, funcionou como trampolim aos zaibatsus e fortaleceu as forças armadas, na medida em que suas políticas coloniais foram aplicadas sob o lema “Ásia para os asiáticos”, em que o Japão encabeçaria a independência econômica e cultural frente ao ocidente.

A Era Taisho trouxe um inimigo externo utilizado pelo fascismo japonês e, diferentemente da Alemanha, não era baseado num racismo, mas sim numa xenofobia generalizada àqueles que eram identificados como invasores e portadores de ideias perigosas, em grande medida consideradas como ideias da URSS. A transmissão de tal modo de pensar aconteceu, em grande escala, entre as classes baixas de operários, que, esmagados entre as grandes indústrias de exploração desumana e os movimentos de trabalhadores, viram uma saída política e social nos grupos dissidentes do capitalismo liberal e do comunismo.

A realização política do Taisho foi cavar uma saída de emergência dentro do liberalismo, o que acabou por ser sua própria crise. O fascismo japonês entra em cena para tentar solucionar a Grande Depressão, pois encontrava respostas justamente no outro lado da mesma moeda, o antiliberalismo descrente no livre mercado. A ideologia já nasce como uma segurança para preservação da velha classe dominante.[7]

Saito continua sua reflexão sobre a continuidade presente nas duas eras, Meiji e Taisho:

O estágio de transição, que o período Meiji iniciou e manejou e que foi completado no Taisho, concedeu as providências para a modernização do Estado e para a adaptação da economia japonesa aos moldes do sistema capitalista, predominantemente dominado pelo Ocidente. A liderança política construiu o Estado provendo as bases para as elites (antigos samurais e daymios) se comporem por meio dos partidos políticos e, concomitantemente a essa transformação, operava a implantação de um liberalismo e individualismo fundidos à ética tradicional.

A anexação da Coreia e, anteriormente, o ataque à Rússia, que anexa Mukden e as ilhas Tsushima, juntamente com o Tratado de Portsmouth (1904-1905), que cede Porto Arthur, o sul da Sakalina e a estrada de ferro sul-manchuriana, foram a demonstração de força militar que o Japão expansionista estava por impor à Ásia. Em 1914, ocupando Shantung, isolou a Alemanha de qualquer expressão na Ásia.[8]

A expansão econômica e territorial do Japão no período pós-Primeira Guerra beneficiou principalmente os zaibatsus, como já dito, que tiraram vantagem da fase de recesso do país nos anos 20, atuando em vários ramos da economia e protegendo seus conglomerados a partir de uma hierarquia familiar. Tal estrutura promoveu a concentração do poder econômico e impulsionou o setor bancário a fomentar a formação de cartéis.

Aproximação e emergência do fascismo

após a Era Taisho, o Japão entrou num ritmo de militarização cada vez maior, com base nos conflitos existentes na ocupação da Manchúria e na Guerra Sino-Japonesa. A ameaça comunista presente no imaginário japonês após a revolução bolchevique e, portanto, após o crescimento das tensões sobre o território russo ocupado, catapultou a resposta contrarrevolucionária com inspirações no fascismo italiano:

O imperialismo japonês, diante da conjuntura internacional, tomou uma forma necessariamente contrarrevolucionária; foi uma resposta ao comunismo, principal inimigo, como alvo de ataque direto do movimento autoritário que se formava. Os impulsos revolucionários precisavam ser refreados; para tanto, um sistema de vigilância interna e externa foi ativado para assegurar a ordem nacional.[9]

Por sua vez, o nacionalismo nipônico, elemento-base de um regime fascista, se submeteu às políticas imperialistas iniciadas no Meiji, já o reacionarismo contrarrevolucionário, sempre presente após 1868 numa mistura com os objetivos de modernização da Era e pressionando a concentração de prestígio na instituição imperial. O Japão como Estado grande e forte foi uma ideia também espalhada através da educação em massa e do recrutamento militar, que anulou a importância dos samurais nesta esfera. Foram a centralização do poder no imperador e a industrialização que deram aos japoneses um senso comum de que poderiam rivalizar com potências ocidentais, junto a isso, também há as vitórias nas guerras externas (região do norte/nordeste da China), o que aumentou a projeção militar da nação e a sensação de que o país estava pronto para o embate em qualquer área de conflito internacional.

O empresariado, que praticamente financiou a modernização, aceitou a raison d’état para manter as liberdades econômicas; o status quo político estabeleceu novos pesos e contrapesos em nome da manutenção desses poderes e a construção de uma Nova Ordem; a correspondência com a tradição serviu de esteio aos movimentos radicais de direita. Era imprescindível a perseguição aos revolucionários de esquerda, representantes da ameaça comunista à ordem do capital. Chamados de “ideólogos” (shugisha) ou “vermelhos”, foram jogados ao ostracismo, chegando a ser perseguidos e eliminados com grande eficácia pela polícia.[10]

Como fica subentendido, a vigilância teve aumento significativo e a coerção física foi elemento ideal para conter a subversão geral em que a velha ordem social se embebia. A direita não possuía um projeto unificado e se alimentava da negação ao comunismo (o anticomunismo como ideologia e base da política de repressão) e, como elemento de coesão social, foi necessário estabelecer a ideia de certa pureza comum entre japoneses, aumentando a força dos laços com os grupos locais. Assim, a ideia de uma revolução social era suprimida.

Foi também no fim dos anos 20 e início dos anos 30 que a sociedade japonesa se tornou completamente massificada, mesmo com a maior parte da população vivendo da agricultura. Os grandes centros urbanos já eram povoados por uma classe proletária e uma burguesa ávidas por consumo de informação e o controle dos meios de comunicação exercido pelo Estado japonês tinha como função adestrar aquilo que era passado para essas massas, característica também comum aos regimes fascistas europeus.

“A formação do consenso no Japão por meio da mídia […] foi extremamente eficiente no âmbito social e cultural, demonstrando-se uma força autêntica e fiel ao regime”[11] afirma Saito. Para compor o corpo militante fascista, a direita conquistou militares de baixa patente, jovens nacionalistas e utilizou do medo ao comunismo como arma. As ideias próprias do objetivo nacionalista e centralizador do Japão conseguiram chegar em todas as metrópoles através de jornais de grande circulação e da rádio, elemento novo na comunicação.

Temos, até agora, 9 elementos de observação:

  1. Centralização do poder no Estado, personificado no imperador;
  2. Modernização do Estado aos moldes ocidentais e entrada na economia mundial como império colonial;
  3. Anticomunismo;
  4. Nacionalismo (também personificado no imperador);
  5. Laços familiares com função de manter a coesão social;
  6. Formação de centros urbanos, mas manutenção da maioria da população em setores agrários;
  7. Falha no momento de distribuir o poder estatal à burguesia e vitória dos senhores feudais como ponto de influência nas decisões políticas do Estado;
  8. Liberdade para o desenvolvimento de uma direita violenta e vigilante;
  9. Forte projeto expansionista, que se encaixa nos objetivos imperialistas do país.

Assim,

O triunfo dos militares pôde ter espaço nas condições de um Estado falido, no qual a massa se encontrava alheia a sua cidadania, em que uma revolução social temida por nacionalistas e um projeto expansionista forte estavam emergindo. O fascismo chega ao poder convenientemente pela iniciativa do próprio velho regime, de forma constitucional. Estando no poder, o fascismo se recusava a jogar politicamente pelas regras antigas. Eliminou seus rivais e criou uma ditadura desenfreada em torno de um supremo líder populista, assim como ocorreu nos casos ocidentais considerados clássicos para a análise da categoria de fascismo e movimentos autoritários.[12]

Ao mesmo tempo, o militarismo passou a ter cada vez mais força na década de 30, após administração de Osachi Hamaguchi, que desagradou um povo com espírito ultranacionalista através de propostas como a do desarmamento universal e tratados em conjunto com o Reino Unido que limitavam a quantidade de armamentos de guerra. Em 1931, o exército age de maneira independente e invade a Manchúria. Esta é considerada a primeira grande vitória do fascismo japonês[13].

A Manchúria tinha um papel central na estabilidade econômica japonesa pós-depressão de 29. Em geral, os territórios onde o país exercia autoridade política eram explorados ao limite, o que gerou uma dependência forte para sua economia. Os pontos já citados acima, como o uso da comunicação de massa para espalhar a propaganda fascista e a implantação de uma ideologia de perseguição ao inimigo vermelho, se aprofundaram.

A política japonesa era de caráter emergencial, como ocorria em todo o globo, uma política voltada a um modelo que superasse aquele estado de calamidade econômica, mesmo que, para tanto, fosse necessário um estágio autoritário que mantivesse a velha ordem social. A ideia liberal era a de que não era necessário governar, e sim controlar o poder. O quadro de prioridades começa a mudar com o novo contexto: se antes era necessário manter relações amistosas com o Ocidente, agora se tornava prioritário que o Japão fosse centro do Oriente. O nacionalismo surge antes como uma reação às políticas que submetiam o país ao mercado ocidental do que como política nacional.[14]

Os movimentos fascistas emergiram a partir de uma combinação entre “economia capitalista, um sistema de opressão e guerra interna e externa”[15].

A ascensão

Entre 1931 e 1936, diversos atentados golpistas aconteceram, mas sem o efeito pseudorrevolucionário esperado. O fascismo foi acontecendo através de reformas graduais no Estado e Saito Makoto, general aposentado, foi nomeado como Primeiro-Ministro e conseguiu levar em frente o objetivo de unificação nacional, agradando os partidos Liberal e Conservador, que o consideravam uma decisão razoável para o controle da crise econômica da década de 30, a gestão da Manchúria, de Xangai recém conquistada e levando em conta o contexto de assassinato de políticos de vida nacional em meios aos golpes fracassados no país.

Saito abriu caminho aos militares, para que se enraizassem na vida política japonesa, diminuiu a força e participação dos partidos políticos no sistema político democrático e passou a tomar decisões a partir da Conferência de Cinco Ministérios, um gabinete interno entre o Primeiro-Ministro e os Ministérios da Guerra, Marinha, Finanças e Relações Exteriores. Evidentemente, os militares ganham todo protagonismo na vida política do país.

O ultranacionalismo cresceu desenfreadamente tendo como base o poderio imperial do Japão e a caça aos militantes comunistas, detentores de “pensamento perigosos”. Mais tarde, o conceito de “pensamento perigoso” passou a abarcar qualquer setor que ameaçasse as forças militares, como liberais, pacifistas e internacionalistas em geral[16].

Em conjunto com uma diretriz nacional sem fundamentos sólidos, a eficácia prática da caça aos opositores foi fundamental na hegemonia autoritária no país. O irracionalismo fascista presente no Japão eliminou vestígios de quaisquer teorias antiautoritarismo e na esfera intelectual, os opositores da via autoritária foram perseguidos. Pensadores favoráveis ao governo fascista ganharam espaço no mundo acadêmico, como Kita Ikki e Gondo Seikyo, sublinha Saito[17].

  • Kita Ikki foi o principal nome do nazismo japonês. Para ele, era necessário centralizar o poder no Estado através de uma ditadura total, em todas as esferas da sociedade. Assim, a sociedade seria submetida somente ao Imperador, sem divisão por classes sociais.

    “Embora aparentemente fosse contra um fascismo nos moldes italianos ou europeus, Kita produziu as bases ideológicas para a transposição da face violenta do capital. O resultado de suas experiências foi uma teoria de inspiração social darwinista, que previa uma reforma política na qual o Japão seria a liderança na nova Ásia”.[18]

  • Gondo Seikyo, por sua vez, foi representante do movimento ruralista, “propugnava por um romantismo agrário, contrário ao estadismo ‘prussiano’, adotado durante o Meiji[19].  O objetivo de tal movimento, apesar de ainda ter suas tendência antiliberais, era descentralizar o poder e fornecer autossuficiência às comunidades agrárias.

Os pensadores e movimentos não esmagados pela perseguição às “ideias perigosas” já haviam chegado à conclusão de que as classes sociais estavam desaparecendo e a unidade era um ponto imperativo de seus programas. Todos também entendiam que a figura do imperador não era ideal para concluir seus objetivos (as tentativas de golpe de Estado nos anos 30, já ditos neste artigo, mostram a insatisfação em relação ao controle social proposto através da centralização da autoridade moral e política no Imperador), ao mesmo tempo,  tentavam englobar as demandas da classe trabalhadora em seu planejamento político.

O controle das questões laborais caminhou para o mesmo sentido do trabalho feito pelos regimes fascistas clássicos na Itália e Alemanha:

A solução dos conflitos laborais e discussões do operariado é reservada, por esses ideólogos, aos sindicatos, os quais estariam, por sua vez, subordinados às milícias. Era necessário que esses sindicatos fossem incubadoras de um exército reserva de mão-de-obra para indústria. Um sindicalismo patronal já estava maduro nos primeiros anos da década de 1930 – processo que se iniciou já nos primeiros anos de 1920 – e obedeceu a uma disciplina e ordem militares. Apesar de terem o formato de um sindicato, possuíam o funcionamento de uma milícia. Esses grupos tinham como principal objetivo a perseguição e a eliminação de elementos sindicais subversivos, tais quais esquerdistas, grevistas e socialista.[20]

As classes médias, assim como aconteceu na Europa, foram o sustentáculo do fascismo japonês e ainda tiveram a função de cooptar os trabalhadores para a visão de mundo fascista. Entre os beneficiários das políticas propriamente fascistas, os setores médios e militares estavam no topo.

O fascismo japonês também estabeleceu a noção de superioridade racial em relação ao povo chinês:

havia a convicção de superioridade racial advinda de seus antepassados divinos; a militarização foi fixada no ser do cidadão japonês, como se pode observar no autosacrifício como honra ao Estado e ao chefe de Estado; a própria obediência cega à autoridade máxima criada pela ética samurai; rígida hierarquia, abnegação e estoicismo.[21]

A ascensão do fascismo foi a ascensão do poder político ao exército em detrimento do sistema político e do Imperador (que deveria ser uma figura sagrada nas esferas moral e familiar). Ao mesmo tempo, o crescimento de produção para guerra e a superação da crise de 29 moveu o foco de poder e negócios dos zaibatsus da indústria leve para a indústria pesada, gerando concentração de produção nas grandes empresas e enfraquecendo as pequenas e médias.

Em 1936, para coroar o contexto fascista, os soldados diligentes ultranacionalistas do Japão marcharam rumo à Tóquio com o objetivo de eliminar o então Primeiro-Ministro Okada e encaminhar a restauração Showa. A ação foi condenada pelo Imperador, apesar dos setores conservadores estarem alinhados com os objetivos de tal golpe. Em 1940, a política fascista teve, então, seu verdadeiro coroamento, com a supressão dos partidos políticos e a instauração de um partido único. Por sua vez, a imprensa continuou a exercer sua função propagandística:

O instrumento da imprensa, nesse período, complementou o plano ideológico fascista de controle das massas. Segundo Del Bene, a propaganda teve papel punitivo e de restrição, em que persuadia os japoneses a sustentar um modo de vida voltado ao esforço bélico e a “aguentar” um sacrifício necessário pela nação.[22]

Desta forma, é possível entender que a eclosão do fascismo no Japão passou por um período de militarização gradativa, ascensão do país ao nível de império colonial, concentração de poder no Estado personificado num Imperador, concentração de poder econômico nos cartéis tradicionais, base de massas nas classes médias e setores militares, além do medo ao inimigo comunista.

Considerações finais

O fascismo ascendeu no Japão a partir da ameaça de reprodução do capital causada pelas crises do início do século XX. O fascismo é um produto-reação agressivo, diz Saito[23], que “é invocado nas piores crises que o próprio capitalismo produz. Ou seja, é preciso que ele se replique e que sempre pareça algo totalmente inédito, motivo pelo qual produz seu próprio esquecimento”. Sua face é revolucionária, mas sua prática é contrarrevolucionária e sua forma varia conforme o contexto local de sua emergência.

No Japão, foi o movimento fascista Nova Ordem, na década de 30, que colocou o fascismo como ordem do dia e valorizou a diretriz econômica de concentração de produção (e prosperidade) baseada em cartéis. O Estado corporativista conduziu a população a uma narrativa pública voltada à contrarrevolução, à caça e medo ao inimigo vermelho.

O fascismo trazia consigo uma retórica de ressentimento às classes altas da sociedade capitalista e, como continuação deste ressentimento, unificação das massas vitimizadas pelo capitalismo de então.

O fenômeno, que, declaradamente, era de natureza europeia, acaba por ser deflagrado no Japão dos anos de 1920 por esses intelectuais, os quais acreditavam que as ideias fascistas tinham interesses supranacionais de colaboração, que estavam acima das classes sociais.[24]

A fascistização do Estado japonês aconteceu concomitantemente com a militarização do país, mais tarde, com a realização do partido único, mas sem uma grande (pseudo)revolução fascista, sem um grande golpe de Estado, que havia falhado em suas tentativas na década de 30. Na prática, a fascistização aconteceu através de políticas nas mãos dos conservadores. Neste processo de transformação, as classes trabalhadoras foram ludibriadas e manipuladas:

O fascismo japonês convulsionou as massas para contestar o capital. Em seguida, consumiu a classe trabalhadora, iludida pelo sentimento de ódio aos ricos, para inserir uma ideologia de segregação entre categorias de trabalhadores e de desconcerto com o processo histórico. Essa massa construída foi reduzida ao seu caráter reivindicatório mais raso, aquele por maiores salários, negligenciando a contestação revolucionária inicial de mudança estrutural.[25]

Até mesmo os conspiradores de 1936 foram excluídos do processo de fascistização, após contribuírem com sua aceleração.

A caracterização do fascismo como o regime do país também é colocado em discussão através da literatura, que passa pela aceitação do regime como “autoritário”, “fascista”, “militar” entre tantas classificações cinzas ao longo da distância entre o preto e o branco. Este ponto não é discutido neste artigo, pois não foi o objetivo de seu desenvolvimento, mas, ao mesmo tempo, a conclusão de Saito é suficiente para dar conta deste problema num primeiro momento:

O fato de recusar ou admitir o uso do termo “fascismo” para a experiência japonesa confina o debate num código binomial e, por consequência, as várias formas de tentar comparar cada caso acabam diluídas num jogo de forças infinito, acabando-se numa vazia disputa retórica.[26]

A tentativa de reclassificar ou esquecer o termo “fascismo” numa leitura do regime fascista no Japão, talvez, possa até mesmo fazer parte do esquecimento que gera o fascismo como estopim revolucionário supostamente anticapitalista, no entanto, é necessário lembrar que este estopim revolucionário é, como dito, contrarrevolucionário e, antes de tudo, uma manutenção do capitalismo.

Referências

[1] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940. Dissertação de mestrado. USP – Universidade de São Paulo, 2012.

[2] PAXTON, Robert O. A anatomia do fascismo. São Paulo: Paz e Terra, 2007. p. 18.

[3] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.13.

[4] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.19.

[5] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.24.

[6] CHESNEAUX, Jean. A Ásia oriental nos séculos XIX e XX. SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.27.

[7] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.37.

[8] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.39.

[9] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.49.

[10] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.55.

[11] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.57.

[12] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.59.

[13] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.63.

[14] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.74.

[15] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.75.

[16] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.77-78.

[17] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.85.

[18] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.86.

[19] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.86.

[20] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.89.

[21] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.98.

[22] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.116.

[23] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.126.

[24] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.127.

[25] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.130.

[26] SAITO, Nádia. A formação do fascismo no Japão de 1929 a 1940… p.149.

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