O ministro em Michel Foucault – DROPS #41

Da série “Biopoder“.

Bom, da última vez, falei um pouco do pastorado e da especificidade do pastorado. Por que lhes falei disso e tão longamente? Digamos que por duas razões. A primeira foi para procurar lhes mostrar – o que na certa não lhes passou despercebido – que não existe moral judaico cristã*; [a moral judaico-cristã] é uma unidade fictícia. A segunda é que, se de fato há nas sociedades ocidentais modernas uma relação entre religião e política, essa relação talvez não passe essencialmente pelo jogo entre Igreja e Estado, mas sim entre o pastorado e o governo.

Em outras palavras, o problema fundamental, pelo menos na Europa moderna, sem dúvida não é o papa e o imperador, seria antes esse personagem misto ou esses dois personagens que recebem em nossa língua, em outras também aliás, um só e mesmo nome: ministro. É o ministro, na própria equivocidade do termo, que talvez seja o verdadeiro problema, alí onde se situa realmente a relação da religião com a política, do governo com o pastorado. Foi por isso, portanto, que insisti um pouco no tema do pastorado.

– Michel Foucault [1]


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A relação entre religião e política não estaria, portanto, situada nas relações concretas entre instituições religiosas ou atores sociais religiosos e instituições políticas ou atores políticos. Não se trata de uma relação que nasce a partir da divisão entre política e religião, ou seja, após a constituição do campo religioso e do campo político. Não é um tipo de relação que liga duas esferas sociais distantes, mas é um tipo de relação que se situa na própria emergência de ambas as esferas, na própria emergência destes campos.

Michel Foucault aponta uma ligação que se encontra no nível da própria estratégia de poder. A passagem do poder pastoral para o governo é a passagem de um tipo de poder para outro. É na laicização do poder pastoral que nasce a governamentalidade. De certa forma, a ligação entre religião e política não se encontra nas instituições ou nos atores interpelados pelas ideologias políticas e religiosas diversas, mas encontra-se no arranjo de poder que permite a existência concreta de ambas as instituições e seus atores.

Segundo o dicionário Priberam,

mi·nis·tro
substantivo masculino

1. Servidor, servo.
2. Ministrante.
3. Executador.
4. Pastor protestante.
5. Personagem a quem o chefe do Estado confia a administração de um dos ramos da causa pública.
6. Representante de uma nação em corte estrangeira.

O ministro, tanto religioso como político, é responsável por servir enquanto guia, enquanto administra, enquanto governa. Ambos não são a fonte do poder, mas sim os personagens que o poder atravessa e se vê representado: um ministro não coloca seus objetivos como elementos principal de suas ações, pois o objetivo que o guia advém do Criador ou do chefe de Estado.

Um ministro executa, mas não planeja. Pelo menos não o plano maior, o plano que guia todos os outros planos. O ministro é atravessado pelo plano e, tendo em vista seu objetivo, elabora ações para gerir certo pastorado, certas instituições, certos atores sociais, certos recursos de uso público.

É, religiosamente ou politicamente, a figura que reúne a responsabilidade da servidão ao exercício de conduzir as condutas do povo ou da congregação de fieis.

Figuras do desatino

Referências

 * Segue-se uma frase quase inteiramente inaudível: noção […] anti-semita.

[1] FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População: curso dado no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 253-254. Negritos meus.

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