Índice
- Introdução;
- A natureza arbitrária do signo em Saussure;
- A revisão de Benveniste;
- A posição do locutor;
- Conclusões finais;
- Referências.
Introdução
O presente artigo irá abordar o conceito de signo linguístico para Ferdinand de Saussure e relacioná-lo com os desenvolvimentos de Émile Benveniste em seu livro Problemas de Linguística Geral – Volume 1[1], no capítulo A natureza do signo linguístico.
A definição clássica do signo linguístico como união arbitrária entre significante e significado é revista por Benveniste, que investe seus esforços em compreender a postura de Ferdinand de Saussure sobre o tema e adicionar o objeto referido pelo signo como elemento na análise, inserindo, assim o ponto de vista do locutor para a definição do signo. O tema será abordado, primeiramente, com a exposição do conceito de signo linguístico para o pensador suíço e, em seguida, abordar-se-á o desenvolvimento de Benveniste. Por fim, iremos inserir a explicação de Cármen Agustini e João de Deus Leite em seu artigo Benveniste e a teoria saussuriana do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade.
A natureza arbitrária do signo em Saussure
Ferdinand de Saussure foi linguísta no fim do século XIX, quando a visão tradicional sobre a língua a colocava como um sistema de classificação. Tudo se passava como se houvesse coisas a serem classificadas e palavras que as classificassem, que se fixariam como suas representantes. Negar esta característica para a língua foi o passo adiante feito por Saussure.
Segundo o linguísta, a língua é um sistema de signos e este, por sua vez, é a união entre uma imagem acústica e um conceito (e não entre uma palavra e uma coisa). O conceito representa a ideia sobre o que se diz, é o aspecto geral, a imagem perfeita daquilo que se fala, enquanto a imagem acústica é a impressão psíquica do som produzido pelo signo “tal imagem é sensorial e, se chegarmos a chamá-la ‘material’, é somente neste sentido, e por oposição ao outro termo da associação, o conceito, geralmente mais abstrato”[2].
O conceito entra em oposição à imagem acústica e, juntos, formam o signo linguístico, entidade psíquica de duas faces, representado pela imagem abaixo:
Abaixo, pode-se ver um exemplo da ilustração acima aplicada à palavra árvore:
Saussure encontra dois termos específicos para representar a imagem acústica e o conceito: significante e significado, respectivamente. Ambos, por sua vez, não são unidos por uma determinação absoluta, pelo contrário, sua união é arbitrária, imotivada:
Assim, a ideia de “mar” não está ligada por relação alguma interior à sequência de sons m-a-r que lhe serve de significante; poderia ser representada igualmente bem por outra sequência, não importa qual; como prova, temos as diferenças entre as línguas e a própria existência de línguas diferentes[3].
A relativa fixidez existente na relação entre significantes e significados, diz Saussure, se dá através do fato social da língua: ela é praticada socialmente e, entre os falantes, há um laço, um tipo de acordo implícito entre o uso de determinados significantes (como “árvore”) para se referir a certos significados (como o conceito de árvore), portanto, quando se fala que o signo é constituído por uma relação arbitrária entre significante e significado, se quer dizer é que “o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade”[4].
Assim, para compreender a relação entre significante e significado como imotivada, Saussure precisa delimitar sua análise aos elementos internos da língua e desconsiderar o objeto referido do centro de uma investigação propriamente linguística. O foco do autor está na língua, não na realidade que é significada por ela, que a instrumentaliza e a coloca numa relação necessária para a existência da cultura.
A revisão de Benveniste
Para Benveniste, o raciocínio de Saussure é falseado através do uso de um terceiro termo não declarado em sua elaboração do signo linguístico: se este é a união entre um significante e um significado sem qualquer ligação natural com a realidade, então há um elemento escondido. Este elemento é a própria coisa, a realidade:
Saussure cansou-se de dizer que a idéia de “soeur” não está ligada ao significante s-ö-r, porém não pensa menos na realidade da noção. Quando fala da diferença entre b-ö-f e o-k-s [boi, em português], refere-se, contra a vontade, ao fato de que esses dois termos se aplicam à mesma realidade.[5]
Temos, assim, a coisa. A realidade adentrando à análise de Saussure, mesmo contra sua vontade, mesmo sem fazer parte de sua retórica, mesmo sendo evitada por ele em seus enunciados. Benveniste procura uma estrutura para o fenômeno do signo que, quando explicada, possa ultrapassar as observações que se detém somente em sua camada externa. Para isso, inverte a noção do suíço acerca da relação entre o significante e o significado:
Assim quanto ao signo lingüístico. Um dos componentes do signo, a imagem acústica, constitui o seu significante; a outra, o conceito, é o seu significado. Entre o significante e o significado, o laço não é arbitrário; pelo contrário, é necessário. O conceito (“significado”) “boi” é forçosamente idêntico na minha consciência ao conjunto fônico (“significante”) boi. Como poderia ser diferente? Juntos os dois foram impressos no meu espírito; juntos evocam-se mutuamente em qualquer circunstância.[6]
Desta forma, o conceito de boi, na visão de Benveniste, constitui parte integrante da imagem acústica boi. É como sua alma, sua essência, sua metade indissociável, seu pedaço integrante do todo. Assim, entende-se que significante e significado são necessários na medida em que só podem existir na medida em que se referem a uma realidade, a uma coisa. Esta coisa, na explicação saussuriana, está escondida, maquiada em seus enunciados que se referem somente aos elementos internos da língua, que propositalmente excluem a realidade da análise.
O arbitrário ainda tem lugar, mas limitado à relação do signo com a realidade:
O que é arbitrário é que um signo, mas não outro, se aplica a determinado elemento da realidade, mas não a outro. Nesse sentido, e somente nesse sentido, é permitido falar de contingência, e ainda assim é menos para dar solução ao problema que para assinalá-lo e afastá-lo provisoriamente.[7]
O linguista, denuncia Benveniste, ao propor a relação do signo com a realidade como arbitrária, defende-se contra a questão já abordada na relação entre significante e significado, ou seja, a possibilidade de haver ali uma relação necessária, mas também se defende contra a solução que o falante propõe instintivamente: “Para o falante há, entre a língua e a realidade, adequação completa: o signo encobre e comanda a realidade; ele é essa realidade”[8].
Assim, temos a primeira conclusão importante: o arbitrário, que se mantém na relação do signo com a realidade e já foi retirado da relação do significante com o significado, não está mais dentro do domínio do signo, mas em sua relação com os elementos externos da língua. Os elementos do signo, portanto, não são mais habitados pelo arbitrário, que perde lugar para seu oposto, o necessário.
Desta forma, o inevitável deslizamento entre significante e significado, identificado por Saussure como presente em qualquer língua, deslizamento esse que seria capaz de mudar a relação entre significantes e significados, gerando novas relações, pode ser revisto para um deslizamento entre o signo e a realidade. A necessidade da ligação entre significante e significado “é, em outras palavras, a motivação objetiva da designação, submetida, como tal, à ação de diversos fatores históricos”[9].
A posição do locutor
Cármen Agustini e João de Deus Leite argumentam que Benveniste define o signo a partir do locutor, sem desconsiderar a contingência e a necessidade: “Trata-se, antes de tudo, da observação do signo linguístico sob o ponto de vista do locutor e, em decorrência, do ponto de vista da língua em uso”[10].
Os pontos de vista da língua em uso e do locutor são adotados pelo autor, na medida em que, “ao adentrar o empreendimento saussuriano, estando nele e fora dele ao mesmo tempo, deteve-se em uma vertente de análise linguística que se ocupou do exame da língua em sua dimensão enunciativa”[11]. Ambos afirmam que o uso de Benveniste leva em consideração o valor social e convencional do signo linguístico, que pode ser visto quando ele está em uso, quando tem um emprego na vida prática e é acionado no diálogo.
Não há signo antes de sua ocorrência em dado ato de fala. Socialmente, o signo carrega um semantismo social, cujo valor convencional instaura certa referência social. No entanto, nem esse semantismo social nem essa referência social garante a correferência exata entre locutor e co-locutor, na produção do efeito pragmático de comunicação, já que a enunciação, em seu caráter irrepetível, instala o sui referencial do sentido e da referência. Não garante, mas é fundamental para que esse efeito possa ocorrer.[12]
De certa forma, Benveniste privilegiou o valor social, não o valor linguístico dos signos. Quando o valor social ganha espaço na análise, o uso passa a ser condição para se observar o signo, que só pode ser signo justamente em uso.
Para o locutor, portanto, a relação entre significado e significante, na constituição do signo linguístico, é uma relação necessária; no entanto, trata-se de uma solução instintiva e, por isso, não científica, não teorizada. Do ponto de vista do linguista, por sua vez, a arbitrariedade fundante do signo linguístico é não-demonstrável, porque o signo sempre-já é signo e, por isso, traz em sua constituição a relação necessária, para que haja signo, entre significante e significado.[13]
Para que cumpra a função social de colocar em relação um sujeito com outro sujeito, o signo precisa necessariamente carregar um significado e ser resultado de sua união com o significante. A fixidez, primeiramente arbitrária, entre significante e significado se torna necessária quando vista através de sua prática social. O signo é sempre-já signo.
Conclusões finais
Entende-se, portanto, que o signo linguístico tem caráter arbitrário, como colocado no Curso de Linguística Geral. Tal caráter está presente na relação entre signo com a coisa, mas também na relação entre significante e significado. Benveniste desenvolve uma conclusão diferente, pois coloca ênfase no valor social do signo. Ele entende que a forma de existência do signo está justamente na sua prática social, no momento da enunciação.
A contingência entre significante e significado acaba sendo troca pela necessidade da união entre ambos para o exercício da língua, para o uso do signo. Deve-se entender que essa necessidade envolve a eficiência da função do signo: relacionar dois sujeitos.
Referências
[2] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Tradução: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blinkstein. 32ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2010, p. 80.
[3] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral… p. 81-82.
[4] SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral… p. 83.
[5] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral. Tradução de Maria da Glória Novak e Luiza Neri; revisão do Prof. Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Ed. Nacional, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p.54.
[6] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.55
[7] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.56
[8] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.57
[9] BENVENISTE, Émile. Problemas de linguística geral… p.58
[10] AGUSTINI, C. L. H.; LEITE, J. de D. (2012). “Benveniste e a teoria saussuriana do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade”. In: Revista Línguas e Instrumentos Linguísticos, v. 30, pp. 114. Disponível em:
<http://www.revistalinguas.com/edicao30/artigo7.pdf>. Acesso em: 03 abr 2020.
[11] AGUSTINI, C. L. H.; LEITE, J. de D. (2012). “Benveniste e a teoria saussuriana do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade”… p. 114.
[12] AGUSTINI, C. L. H.; LEITE, J. de D. (2012). “Benveniste e a teoria saussuriana do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade”… p. 120.
[13] AGUSTINI, C. L. H.; LEITE, J. de D. (2012). “Benveniste e a teoria saussuriana do signo linguístico: o binômio contingência-necessidade”… p. 121.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.