Da série “Fascismo”.
Por Vinicius Siqueira, revisão de Vinicius Mendes.
Índice
- Introdução
- Revista Fórum
- O Antagonista
- O discurso sobre o fascismo como discurso civilizatório
- Referências
Introdução
O fascismo, como um dos sistemas político e econômico mais importantes do século XX, nasceu 1919 quando da fundação do grupo Fasci di Combattimento pelo ex-soldado italiano Benito Mussolini. Seus membros promoviam ataques a comunistas, judeus e veículos da imprensa e, por isso, logo se tornaram conhecidos pelo apelido “Camisas Negras”. Dois anos depois, o grupo deu origem ao Partido Nacional Fascista e, já em 1922, Mussolini se tornou primeiro-ministro da Itália.
Os teóricos do autoritarismo concordam hoje que o fascismo, em resumo, foi um regime autoritário baseado no corporativismo, no monopartidarismo e na militarização da política que influenciou outros governos europeus, como Francisco Franco, na Espanha, entre 1939 e 1975, e António Salazar, em Portugal, entre 1933 e 1974.
O uso do termo “fascismo” também é comumente ligado, como numa memória discursiva que constrói tudo que é implícito no momento da interpretação de um acontecimento, à ditadura militar brasileira (1964-1985) que, como qualquer estado de terror, buscava ajuda na violência e no controle da imprensa.
O fascismo desafia, inclusive, separações clássicas da filosofia política, como a do governo legal e do governo ilegal, já que ignora as leis que ele mesmo criou em sua prática política, seguindo um determinado conjunto de regras (não necessariamente jurídicas) para seu exercício.
A situação do momento histórico brasileiro não confirma um renascimento do fascismo histórico como ocorreu na Itália, mas é patente as inclinações (ou sinais) fascistas do candidato Jair Bolsonaro (PSL).
O objetivo deste artigo não é auferir a melhor escolha de significado para o termo fascismo, mas analisar a oposição do discurso sobre ele praticado por dois veículos populares nas mídias digitais e em posições opostas politicamente: a Revista Fórum e O Antagonista.
Como o discurso sobre o fascismo assumiu proporções gigantescas na prática discursiva cotidiana, houve uma disputa do significado do conceito na esfera do saber político. O objeto de análise é chamado de discurso, isto é, o discurso sobre o fascismo nas eleições de 2018. Entretanto, ele assim é chamado para facilitar a hipótese de que há um discurso sobre o fascismo que se tornou suporte – por conter os enunciados possíveis de serem ditos – na discussão política cotidiana.
O presente artigo busca mapear uma parte das posições possíveis neste campo discursivo, tomando como referência de análise um site popular entre membros das várias esquerdas (a Revista Fórum) e um outro, também popular, entre as várias direitas (O Antagonista). Para realizar tal tarefa, utilizaremos o arcabouço teórico da arqueologia do saber de Michel Foucault.
Revista Fórum
A Revista Fórum é composta por colunistas, jornalistas e colaboradores externos e publica textos assinados nominalmente ou por sua redação. Iremos, primeiramente, observar textos de colunistas e colaboradores que tratam diretamente sobre o fascismo e/ou sobre a extrema-direita nestas eleições. Em seguida, exibiremos trechos de matérias assinadas pela redação que contemplam ou tangenciam o tema.
Todos os autores citados, portanto, não o são tendo como referência sua obra ou sua posição política, nem mesmo suas palavras são consideradas como uma prova de sua prática política: a referência única é a participação em publicações da Revista Fórum, pois é o discurso sobre o fascismo expresso na revista que interessa nesta análise.
Revista Fórum e o fascismo enquanto barbárie
Inicialmente, a colunista Daniela Lima anota dois artigos sobre a situação atual da política brasileira como “fascista”: segundo ela, a vitória do fascismo [termo utilizado pela autora] pode representar um risco para a humanidade — e o autor espanhol Manuel Castells é invocado para dar vazão à análise. “Embora as ruas mostrassem uma ascensão da violência legitimada pelo discurso de ódio próprio do fascismo, ainda havia quem subestimasse seu possível avanço”[1], diz ele se referindo à Itália do final da década de 10 do século XX. Ou seja, o foco é no crescimento deste monstro violento chamado “fascismo”, que desestrutura o clima de segurança nas ruas e engole, em sua narrativa dos fatos, qualquer forma de resolução pacífica de conflitos.
A referência direta aos efeitos do discurso de ódio próprio do fascismo é o assassinato de Moa do Katendê, mestre ícone da capoeira da Bahia. Moa foi morto com 12 facadas após declarar ser eleitor de Fernando Haddad (PT) em uma discussão com um homem que declarara seu voto em Bolsonaro. “O fascismo traduz conflitos sociais e políticos unicamente em função do extermínio daquele considerado “outro” (e, em uma sociedade racista, machista e homofóbica, sabemos quem é o ‘outro’)”[2], explica a colunista.
“O fascismo transforma insatisfação em ódio ao determinar um inimigo que se torna automaticamente responsável por todas as frustrações de uma determinada coletividade”[3], continua Daniela. No entanto, é possível vencer este inimigo com uma atitude: ler o programa de governo de cada candidato. É o exercício da leitura e da informação que pode derrotar o fascismo, conclui a colunista.
Na ditadura militar, um monstro parecido com o atual sofreu resistência através da arte. É a arte, a cultura, o conjunto de saberes opostos à violência que salvará o Brasil do fascismo:
Se a disputa eleitoral está posta no campo moral e afetivo, estamos deixando de utilizar o que há de mais poderoso no campo dos afetos: a arte. Poesia, música, fotografia, teatro, são suportes discursivos que a atual extrema direita[sic] não alcança. A extrema direita não despreza a arte, ela teme sua capacidade de atravessamento, sobretudo no campo da micropolítica dos afetos. Talvez por isso artistas sejam tão estigmatizados e perseguidos pelos extremistas.[4]
A extrema direita, que se apoderou do campo moral e afetivo nas eleições de 2018, não poderia combater um tipo de afeto ligado à cultura.
Para Julian Rodrigues, outro colunista da revista, o fascismo está misturado com o neoliberalismo em Jair Bolsonaro. A pompa “neoliberal” e “fascistóide” move duas frentes de combate para a esquerda. O par neoliberal e “neofascista” acompanha a análise de Rodrigues:
Bolsonaro é a direita na economia, mas também é um ícone do machismo, da homofobia, do racismo, da intolerância. Haverá confusão na classe dominante.[5]
Bolsonaro é neoliberal, direita na economia, mas também é fascista: machista, homofóbico, racista e intolerante. É o inimigo das minorias, concorda Luis Felipe Miguel[6]:
Seu discurso pode chocar pelo grau de estupidez que contém, mas o fato é que cativa um em cada seis eleitores brasileiros. Pessoas que se curvam às soluções aparentemente mais fáceis, que não exigem nenhum esforço de pensamento.[7]
Outros autores da Revista Fórum, como Marcos Cesar Danhoni Neves caracterizam os homens do neofascismo brasileiro como academicamente pobres e educados pelos EUA para a desestabilização do Governo brasileiro[8].
Já Mauro Santayana relaciona o fascismo à violência e ignorância[9], enquanto Gilberto Maringoni segue esta linha, já que o “fascismo não quer debater ideias. Quer disputar hegemonia na base da força e não no terreno do convencimento. O fascismo elimina seus oponentes, não interage com eles”[10].
Por fim, Valdemar Figueredo é objetivo:
Setores das Igrejas Evangélicas estão flertando com um tipo de totalitarismo político carismático que aumenta a sua visibilidade no Brasil. A linguagem é extremamente rude, raivosa, moralista e violenta. Para esses, a sociedade civil não é o locus da pluralidade em que as disputas sociais e políticas ocorrem de forma civilizada e dialogal. Por confundir fervor com violência, esses grupos atuam no sentido de eliminar as vozes destoantes.[11]
Setores das Igrejas Evangélicas estão flertando com o fascismo de Bolsonaro. Somado a isso, flertam com a violência, a ignorância e o conservadorismo.
Temos, até agora, um conjunto de colunistas e colaboradores que expressam o fascismo como:
- Violento;
- Intolerante e;
- Ignorante.
Continuemos agora a partir de matérias publicadas pela revista, que também carregam a perspectiva do uso do termo fascismo, na medida em que representam a forma como o veículo constrói seu uso, ou seja, sua prática discursiva.
Em uma matéria informativa sobre a posição de Ciro Gomes no segundo turno, é possível perceber um certo antagonismo na fala do candidato quando afirma que irá apoiar Fernando Haddad no segundo turno:
Eu costumo decidir as coisas assim, mas é que agora eu represento um conjunto muito grande de forças. Então eu quero anunciar por mim, o meu espírito é continuar fazendo o que eu fiz a minha vida inteira: lutar em defesa da democracia e contra o fascismo. Ele não, sem dúvida.[12]
Ao mesmo tempo, o discurso de Dilma reproduzido pela Revista Fórum também ressalta um tipo de antagonismo:
É com democracia que se acaba com a miséria e com a pobreza extrema. É com a democracia que se gera emprego e renda. É com democracia que resistiremos aos retrocessos e enfrentaremos as ameaças da extrema direita e do fascismo.[13]
Também em matéria sobre Jason Stanley, professor de Yale e pesquisador do fascismo, há a noção do fascismo como força antidemocrática[14].
Nas falas de todos, o fascismo se opõe nominalmente à democracia. Podemos acumular estas informações com a oposição fascista à arte, à cultura, feita anteriormente por Daniela Lima, com o seu antagonismo ao refinamento do raciocínio, feita por Marcos Cesar Danhoni Neves, ou até mesmo com a análise de Santayana e Maringoni.
O fascismo, até aqui, é oposto à democracia, à diversidade, ao raciocínio complexo e à paz. É nisto que se resume a fala de Haddad sobre os ataques do PSDB sofridos por ele:
Temos sofrido muitos ataques do PSDB, mas isso não está favorecendo o PSDB, e sim o fascismo. Quando você alimenta o ódio, alimenta o fascismo. Aconteceu na Alemanha, na Itália.[15]
Conclusões prévias sobre a Revista Fórum
Para entender o funcionamento do discurso sobre o fascismo visto em matérias e colunas da Revista Fórum – que, devido ao alcance e à importância nas mídias digitais e nas redes de informações das esquerdas, talvez possa ser universalizado para um ala relevante da esquerda brasileira -, devemos iniciar nossa análise a partir de um artigo da própria revista. Um artigo com tom de autocrítica, não de denúncia.
Para Vinícius Wu, o fenômeno da candidatura de Bolsonaro não está relacionado com sua postura “fascistóide”, mas sim ao seu posicionamento anti-sistêmico:
Indo direto ao ponto: desde 2016, busco, através de pesquisas quantitativas, qualitativas, análises de redes sociais e conversas com eleitores de Bolsonaro compreender este fenômeno político que, definitivamente, não se formou neste ano eleitoral. E o que me parece bastante claro é que a força primordial de Bolsonaro reside muito antes em seu caráter anti-sistêmico do que em sua agenda e discurso protofascistas. Há muitos apoiadores do “mito” (sic) que não concordam com suas posições a respeito das mulheres, negros ou homossexuais, por exemplo, mas que seguem apoiando-o em sua suposta luta contra o “sistema”.[16]
Aqui, encontramos a chave para a análise do discurso sobre o fascismo: em sua autocrítica, percebe-se que, quando o discurso sobre o fascismo fala por si, ele aponta para uma oposição à democracia. Portanto, há uma visão do fascismo enquanto um mal dentro da esfera política atual. Ou seja, como um inimigo interior. A proposta de mudança de Wu direciona o discurso sobre o fascismo para uma estratégia de explicação do fenômeno Bolsonaro como elemento externo ao sistema político atual.
Quando o discurso fala por si mesmo sobre seus próprios objetos e conceitos, é possível observar suas relações discursivas secundárias, que são reflexivas, que se opõem às relações primárias, definidas independentemente do discurso ou de seus objetos (pois não são discursivas). Aqui, estamos em busca de uma pista sobre como entender o nível especificamente discursivo do fascismo no clima de eleições de 2018. Sendo assim, o que os sujeitos do discurso falam daquilo que lhes interessa é importante para identificar o que não concluir sobre o objeto em questão: o fascismo não é só oposto à democracia ou unicamente violento (no discurso sobre o fascismo), mas é oposto à civilização.
O incômodo do fascismo quando toca temas como democracia, tolerância, violência, cultura e arte não está diretamente ligado à manutenção da democracia ou à vitória de um candidato à esquerda, mas sim à derrota da civilização, da modernidade, do progresso. O Brasil, portanto, está num caminho progressista, mas pode sofrer uma reviravolta com a eleição de Bolsonaro, em que a violência tomaria conta das ruas, a ignorância seria exaltada e a arte rejeitada.
Evidentemente, o próximo passo seria estudar a relação do conceito de fascismo com outros dentro do discurso específico que estamos considerando como hipótese. Segundo Foucault:
O que pertence propriamente a uma formação discursiva e o que permite delimitar o grupo de conceitos, embora discordantes, que lhe são específicos, é a maneira pela qual esses diferentes elementos estão relacionados uns com os outros.[17]
Entretanto, considero que o uso do termo fascismo delineia um uso duplo do conceito e um conjunto de oposições que liga ambos os lados da moeda. A oposição inicial de cultura contra violência expressa uma parte do uso do conceito de fascismo como relacionado ao atraso civilizacional.
Daniela Lima consegue resumir tal conclusão em um enunciado: “Não se trata mais de questões partidárias, mas da defesa da democracia contra a barbárie”[18]. No caso, “democracia” representa um conjunto de práticas progressistas, não só um modo de fazer política institucional. Em uma suposta linha do tempo da evolução das sociedades, na sua análise, a democracia estaria num nível elevado de “civilidade”.
O Antagonista
O Antagonista, por sua vez, é um site jornalístico brasileiro fundado pelos jornalistas Diogo Mainardi e Mário Sabino e que se define como “contrário às personalidades do protagonismo político” e como “parte da direita do país”.
Um artigo significativo do site será posto como exemplo de oposição aos enunciados da Revista Fórum.
O Antagonista e a posição defensiva
No artigo não assinado Fascistas são as senhoras suas mães, petistas, o site encara o termo fascismo como um xingamento político, um xingamento que não deve ser observado em sua lógica ou racionalidade, mas sim em sua capacidade de ofender.
Quem roubou dinheiro público para pagar mensalão a parlamentares foi o PT (aperfeiçoando e nacionalizando a tecnologia tucana em Minas Gerais).
Quem criou um falso dossiê para melar a eleição em São Paulo foram os aloprados do PT.
Quem protagonizou o maior escândalo de corrupção da história do mundo foi o PT, com a cumplicidade de PMDB, PP e PSDB, principalmente, os partidos da “elite”.
Quem fraudou a democracia, por meio de campanhas milionárias financiadas com dinheiro de corrupção, foi o PT.
Quem colocou o Brasil na maior recessão da sua história foi o PT.
Quem financiou a ditadura bolivariana na Venezuela foi o PT, o que vem causando uma tragédia humanitária de proporções africanas.
Quem teve o chefão condenado por corrupção e lavagem de dinheiro foi o PT (e agora querem livrar o chefão para também estender o benefício a chefões dos partidos da “elite”).
Fascistas são, portanto, as senhoras suas mães, Gleisi, Lindbergh, Tarso e Pimenta.[19]
A denúncia de “fascismo” feita pelo PT sobre as atitudes do PSDB e do PSL de Bolsonaro neste ano de eleições é falsa porque o PT seria ineficiente e ladrão. O “Fascismo” apontado pelos petistas seria uma “proteção”, um xingamento cujo objetivo é esvaziar a história do Brasil com o partido. Por isso que a resposta precisa citar uma série de supostos vacilos feitos pelos governos petistas.
Já é possível observar, somente nesta citação, que roubar dinheiro público, criar falso dossiê, praticar corrupção, fraudar eleições, administrar mal a economia de um país, apoiar “ditaduras” (sejam elas quais forem) e ter um líder condenado em segunda instância são elementos de denúncia na resposta d’O Antagonista, mas não de uma denúncia contra o fascismo em suas características históricas.
Conclusões prévias sobre O Antagonista
A resposta d’O Antagonista não tem referência ao fascismo como ocorreu até o fim da Segunda Guerra Mundial, mas sim à provocação civilizatória emitida pela retórica da Revista Fórum. O tom de resposta é óbvio: não se trata de um texto que propõe, mas sim que se defende. Como qualquer conceito, o fascismo mantém um campo de presença que, dentro do saber político atual e nas aporias dentro do setor propriamente institucional deste saber, quando se refere à política institucional, à oratória de candidatos, ao uso político da palavra fascismo, delega à direita a responsabilidade de responder pelo seu passado histórico.
Ao mesmo tempo, este passado histórico é inserido não como uma atrocidade política, mas como uma bizarrice civilizacional. Daí de termos uma resposta d’O Antagonista rebatendo pontos de má gestão e conduta fora da lei feitos pelo PT.
Uma resposta sob a racionalidade econômica de um sujeito moderno liberal, filho dos progressos econômicos, sociais e políticos das revoluções burguesas contra a tirania das aristocracias europeias. Uma resposta que pretende mostrar o caminho do progresso.
O discurso sobre o fascismo como discurso civilizatório
Com base no material analisado, partindo do princípio do uso do conceito de fascismo em duas publicações populares em mídias digitais tanto para o público de esquerda como para o público de direita, conseguimos identificar uma oposição entre as duas maneiras de se relacionar com o termo.
A formação das estratégias discursivas revela duas posições em que se percebe 1) pontos de incompatibilidade: como na própria definição do que seria ideal para a sociedade (uma oposição entre paz e eficiência); 2) um ponto de equivalência, que talvez seja expresso pelo próprio conceito de fascismo, presença incompatível com o mesmo sentido quando dito por um representante de direita e um de esquerda e 3) pontos de ligação: como a noção de que a democracia é um fundo comum da política e o fascismo atua como força autoritária. A partir desta primeira noção, o resto dos enunciados é distribuído e serializado.
Analisando as práticas não discursivas e o regime específico de apropriação deste discurso, entendemos que, para ambas as publicações analisadas, quem fala é quem tem acesso à legitimidade de dar opinião: colunistas, editores, jornalistas – todos credenciados e disciplinados no estilo jornalístico de emitir e de avaliar opiniões.
Quando o conceito passa a ser visto de perto, é possível entender que o fascismo se encontra numa constelação de enunciados que se referem ao processo civilizatório. Na apropriação específica da esquerda, numa estratégia discursiva de ameaça; enquanto para a direita, numa estratégia de defesa e denúncia. A ameaça da ignorância contra a ameaça da ineficiência.
Todo o campo de presença do conceito de fascismo é recheado por incursões civilizatórias, como a luta pela inclusão social, a tolerância, o pacifismo, mas também a missão da eficiência e da racionalidade. O fascismo fura o filtro da racionalidade e por isso entra em jogo. O mais prudente é modificar a hipótese: é mais provável que, dentro dos usos possíveis do conceito de fascismo e dentro das oposições formadas pelos diferentes sujeitos do discurso, haja uma regularidade propriamente civilizacional, como um discurso civilizatório. Este discurso cortaria o saber político concatenando a esfera moral e filosófica em seu campo de concomitância, em suas relações com enunciados de outros discursos.
A oposição entre a cultura e a arte (do lado da Revista Fórum) contra a resposta da eficiência (do Antagonista) vista acima segue o modelo parecido da oposição entre o civilizado e o culto, no conflito entre a aristocracia de corte e a burguesia alemã narrado por Norbert Elias em O processo civilizatório. Enquanto a aristocracia civilizada conseguia controlar seus instintos, mas era rasa em seu interior, a burguesia (culta, não civilizada) detinha um conhecimento profundo sobre as questões da época. O significado de culto entrou em oposição ao de civilizado. A direita culta sabe as reais causas dos problemas brasileiros enquanto a esquerda civilizada se preocupa com questões de comportamento, como o fascismo dentro dos crimes contra a população LGBT. Entretanto, pode-se trocar os pólos, deixando à esquerda a posição de culta, já que insere a arte como instrumento de luta, contra a posição de civilizada da direita, normatizadora de costumes, vide a carreira política de Jair Bolsonaro.
Isto reforça ainda mais o caminho para um discurso civilizatório que, nessas eleições políticas, ganhou centralidade. Um discurso que não debate ideias ou projetos, mas sim rumos da vida, direções da sociedade humana. Talvez aí esteja a resposta para o eleitorado de Bolsonaro ser aquele que mais propaga fake news: as informações políticas não estão numa esfera comum de debate, mas sim sob prismas diferentes de apropriação. Parte da direita passou a desconfiar de pesquisas Datafolha porque a própria pesquisa está em jogo numa possível mudança de caminho civilizatório.
Referências
[1] LIMA, Daniela. Vencer o fascismo não é uma questão partidária. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2QIlfVM>>. Acesso em 12 out 2018.
[2] LIMA, Daniela. Vencer o fascismo não é uma questão partidária.
[3] LIMA, Daniela. Vencer o fascismo não é uma questão partidária.
[4] LIMA, Daniela. Arnaldo Antunes: poesia contra o fascismo. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2ybZkiY>>. Acesso em 12 out 2018.
[5] RODRIGUES, Julian. É possível derrotar o golpe neoliberal e o neofascismo ao mesmo tempo? Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2RHkopE>>. Acesso em 12 out 2018.
[6] Luís Felipe Miguel: eleição 2018 marca luta contra o golpe, o fascismo e o racismo. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2Onk9Cl>>. Acesso em 12 out 2018.
[7] Luís Felipe Miguel: eleição 2018 marca luta contra o golpe, o fascismo e o racismo. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2Onk9Cl>>. Acesso em 12 out 2018.
[8] NEVES, Marcos Cesar Danhoni. A camarilha de Moro: o nascimento de nossa camorra judiciária e os homens do neofascismo brasileiro. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2QPGHs9>>. Acesso em 12 out 2018.
[9] SANTAYANA, Mauro. O fascismo não perdoa nem os que, por burrice, oportunismo ou covardia, o atraem. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2EiFgkw>>. Acesso em 12 out 2018.
[10] MARINGONI, Gilberto. Fascismo tenta atrair esquerda para uma cilada com o atentado de Curitiba. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2EiFgkw>>. Acesso em 12 out 2018.
[11] FIGUEREDO, Valdemar. Um espectro ronda a Igreja, o espectro do fascismo. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2ygxGBA>>. Acesso em 12 out 2018.
[12] Ciro já sinaliza que apoiará Haddad: “Vou lutar contra o fascismo. Ele não”. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2OniKM5>>. Acesso em 12 out 2018.
[13] Dilma Rousseff diz que as mulheres e a democracia resistirão ao fascismo. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2CeVys8>>. Acesso em 12 out 2018.
[14] Professor de Yale e autor de livro sobre o assunto afirma que Bolsonaro usa táticas fascistas. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2RNh2lg>>. Acesso em 12 out 2018.
[15] Haddad: “Quando você alimenta o ódio, alimenta o fascismo”. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2yE4L9F>>. Acesso em 12 out 2018.
[16] WU, Vinícius. Vinícius Wu: Não é uma onda fascista, é uma onda anti-sistêmica. Revista Fórum. Disponível em: <<https://bit.ly/2yBvG6g>>. Acesso em 12 out 2018.
[17] FOUCAULT, Michel. A formação dos conceitos IN: A Arqueologia do Saber. 8ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012, p.70-71.
[18] LIMA, Daniela. Vencer o fascismo não é uma questão partidária.
[19] Fascistas são as senhoras suas mães, petistas. O Antagonista. Disponível em: <<https://bit.ly/2ItdJdm>>. Acesso em 12 out 2018.
Instagram: @viniciussiqueiract
Vinicius Siqueira de Lima é mestre e doutorando pelo PPG em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da UNIFESP. Pós-graduado em sociopsicologia pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo e editor do Colunas Tortas.
Atualmente, com interesse em estudos sobre a necropolítica e Achille Mbembe.
Autor dos e-books:
Fascismo: uma introdução ao que queremos evitar;
Análise do Discurso: Conceitos Fundamentais de Michel Pêcheux;
Foucault e a Arqueologia;
Modernidade Líquida e Zygmunt Bauman.